«Mesmo que seja a última coisa que faço, vou destruir todas as malditas grammar schools em Inglaterra. E em Gales. E na Irlanda do Norte.» Charles Anthony Raven Crosland, educado na Highgate School, uma escola privada, e no Trinity College, em Oxford, Secretário de Estado da Educação inglês, 1965

Há três matérias que, em Portugal, deviam ser obrigatórias no ensino obrigatório, passe a redundância:

1) História da arte;

2) Sistemas políticos nacional e europeu;

3) Literacia financeira.

A primeira aumentaria a sensibilidade estética da população portuguesa, que deixa muito a desejar, para além de fornecer uma ferramenta para a compreensão do nosso passado e da sua relação com o presente.

A segunda, a compreensão dos sistemas políticos, é crítica para que os jovens, quando entram na idade em que podem votar, tenham consciência das implicações desse poder que lhes é conferido pelo facto de terem cidadania nacional e europeia.

Por último, já que ninguém passa pela vida sem ter contacto com o sistema financeiro, o ensino secundário oficial deve proporcionar literacia financeira a quem vai, mais cedo ou mais tarde, precisar de um crédito à habitação ou ao consumo, ou de fazer uma aplicação financeira, por mais simples que seja. É deste tema que me ocuparei a seguir.

Quando uma instituição financeira fala em taxas de juro, a legislação obriga a que se refira a taxa anual nominal, a taxa anual efetiva e a taxa anual efetiva de encargos global. Para que servem essas exigências legais se os termos não tiverem qualquer significado para a esmagadora maioria da população? De que serve falar em “spreads” se não se compreender o mecanismo que está subjacente a uma taxa variável?

A ignorância financeira torna a população presa fácil do populismo partidário, como se vê na atual campanha eleitoral. “Os fabulosos lucros da banca”, por exemplo, medidos em milhões, são campo fértil para o Bloco de Esquerda e o Chega, irmãos em demagogia, já que a população se deixa influenciar pelos valores absolutos do lucro, sem compreender que o lucro só é alto ou baixo em função do dinheiro que for investido no negócio. O lucro de cem mil euros do merceeiro da minha rua será certamente um excelente resultado tendo em conta o montante que investiu. Já o lucro de milhões de um banco pode ser um mau resultado, uma vez que o valor investido pelos acionistas foi infinitamente superior ao aplicado pelo merceeiro. O que interessa é a percentagem de retorno sobre o investimento. O valor absoluto não interessa, mas é isso que interessa aos populistas.

A manutenção da ignorância é útil para manipular os eleitores. Os cartazes do Bloco, que sempre me fascinaram, perderiam metade do seu impacto se a população tivesse mais literacia financeira. “Cada dia fogem 3 milhões de euros”, dizia um cartaz do Bloco ainda do tempo de Louçã (com um erro de português). Os do Chega ainda não entraram nesse campo, mas não deve tardar.

Os conceitos básicos de finanças são fundamentais para o quotidiano e não apenas para a “grande especulação”. Não é preciso saber de futuros, opções ou “swaps”. Basta compreender o impacto da inflação no poder de compra, perceber como funciona um juro composto, saber que um investimento com maior retorno tem maior risco – teria sido útil para os lesados do BES – ou entender como uma taxa de juro afeta o preço das obrigações (e, já agora, saber o que é uma obrigação).

Já houve tempos em que os comunistas europeus – nos anos do pós-guerra –, fortemente influenciados pelo pensamento de Antonio Gramsci, defenderam que a cultura era o instrumento central para a elevação e a emancipação dos estratos populares. Os filhos das classes altas tinham melhores recursos para mover-se no mercado de trabalho: rendimentos, redes de conhecimentos e, não raramente, herança dos negócios de família. Os filhos das classes baixas, pelo contrário, apenas podiam contar com a qualidade da sua instrução: baixar-lhe o nível significava retirar-lhes a única arma de que dispunham.

Tudo começou a mudar nos anos sessenta, em que a prioridade para a esquerda começou a ser a “escolarização em massa”: o nível de exigência começou a baixar, para que o ensino fosse plenamente acessível aos filhos dos operários e dos camponeses. Tanto comunistas como socialistas se bateram pela supressão do ensino profissional (que canalizava uma parte das “classes populares”) e pela eliminação progressiva dos exames. A cultura deixou de ser vista como um instrumento de emancipação das massas, para passar a ser considerada uma fasquia que se devia baixar para aumentar o sucesso escolar. Paradoxalmente, para os intelectuais franceses de sessenta e oito, entre eles Bourdieu, a cultura era uma debilidade pequeno-burguesa.

Uma das coisas que a esquerda não percebeu foi que tornar o ensino mais fácil e eliminar os exames, além de tornar a vida mais fácil a professores sem escrúpulos ou incompetentes, ou ambos, permitia aos privilegiados evitar a concorrência das “classes populares”. Dou a seguir um exemplo.

Em Inglaterra foram criadas as “grammar schools” nos anos quarenta, escolas públicas muito exigentes e em que era difícil entrar (o processo de seleção dependia de testes de admissão difíceis). Estas escolas eram inteiramente gratuitas e permitiam aos alunos mais desfavorecidos economicamente (e mais favorecidos intelectualmente) a entrada numa “elite” – de alguma maneira dando corpo ao ideal de igualdade de oportunidades, independentemente da origem social. O filósofo e escritor Roger Scruton, falecido em 2020, foi, por exemplo, um dos socialmente desfavorecidos que beneficiaram da frequência de uma destas escolas. Como o próprio referiu, se a “grammar school” não existisse talvez ele não se tivesse conseguido diferenciar. Curiosamente, foram os pais dos alunos das classes altas que não conseguiam entrar nas “grammar schools” que mais advogaram o seu fim, ao que a esquerda igualitária acefalamente acedeu. As “classes populares” deixaram assim de dispor de um instrumento de “elevação social”, ficando sujeitas até hoje a um regime de ensino massificado e de baixíssima qualidade. As classes altas agradeceram.

Voltando a Portugal e à questão da importância da literacia financeira, destaco alguns factos: Portugal é o segundo país da União Europeia com menor nível de literacia financeira (apenas à frente da Roménia, de acordo com o Eurobarómetro de julho de 2023). Apesar de em Portugal a educação financeira ser teoricamente obrigatória em pelo menos dois dos três ciclos do ensino básico no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a verdade é que na prática não é ensinada, e o Bloco de Esquerda e o atual PS não querem que o seja.

Desta vez a causa da rejeição do ensino financeiro vai além dos objetivos tradicionais de massificação: a esquerda não quer que a população saiba demais, não vá o povo perder o medo que está associado à ignorância, e passe a assumir a responsabilidade dos seus atos, ficando menos dependente do paternalismo do Estado.

Esta ideia foi confirmada pelo Bloco, ao defender expressamente que “altos níveis de literacia financeira tendem a corresponder a decisões financeiras irresponsáveis”. Portanto, o saber é um perigo. Se o povo for ignorante, fica quieto no seu canto, sistematicamente pobre e sem ambições, deixando as aventuras especulativas, financeiras ou outras, para as “elites”, das quais Robles e Louçã são dignos representantes. “Não se metam nisso”, recomendariam ambos.

Obviamente, a argumentação do Bloco é sustentada por “todos os estudos”. “Todos os estudos dizem que…” é, aliás, um dos inícios de frase preferidos de Mariana Mortágua. Seja qual for o assunto, há sempre uma miríade de estudos a suportar a visão de Mariana, mesmo que a realidade – esse fenómeno desagradável – demonstre o oposto.


Artigo publicado no Observador