Nesta passada segunda-feira dia 11 de Novembro, data que marcou a entrada “oficial” em gestão do actual Governo, o Primeiro-Ministro despediu-se do Parlamento, numa sessão plenária — que antecede a próxima cimeira europeia — muito fraquinha, com pouquíssimos deputados para o ouvir, naturalmente com excepção da bancada do Partido Socialista que muito embora composta estava também incompleta.

Antes disso, numas primeiras declarações públicas dadas por António Costa à CNN Portugal, na residência oficial de São Bento, não poupou críticas à actuação do Presidente da República na gestão desta crise, nomeadamente quanto à decisão pela dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições legislativas antecipadas, em vez de ter optado pela manutenção em vigor da presente legislatura, com um novo Governo do PS, liderado por Mário Centeno tal como defendeu no Conselho de Estado. Bem como, ainda, atacando especialmente a actuação do Ministério Público no caso cuja investigação em curso o fez apresentar o pedido de demissão, levando, consequentemente, à queda do seu Governo e que lhe valeu como resposta uma dura declaração da Procuradora-Geral da República Lucília Gago que, sem mencionar o seu nome, afirmou estar em marcha uma tentativa de diminuição, descredibilização e destruição daquelas instituições, através de “ataques desferidos a uma magistratura com provas dadas”.

À noite, em entrevista à TVI/CNN Portugal, assistimos a um momento de puro entretenimento político-sentimental, com o ainda Primeiro-Ministro em funções de gestão visivelmente amargurado consigo próprio mas totalmente incapaz de o admitir, porque incapaz sempre foi, em toda a sua carreira política de mais de 30 anos, de assumir um átomo de auto-responsabilização pelo que quer que fosse, optando por afirmar estar magoado com o que lhe fizeram.

Assim, não se mostrando arrependido da decisão de se ter demitido, uma vez que a partir do momento em que sabendo que sobre si existia — confirmadamente — uma investigação do Ministério Público e que essa investigação envolvia-o na qualidade de Primeiro-Ministro, sobre quem recaiam suspeitas da prática de factos ilícitos constitutivos de um tipo legal de crime, seria impossível manter-se em funções. Todavia, após o evoluir da situação, nomeadamente com os arguidos entretanto constituídos e primeiros interrogatórios judiciais e aplicação de medidas de coação, questiona se o Presidente da República e a Procuradora-Geral da República teriam agido da mesma forma, garantido não ter dúvidas sobre qual será o final desta história.

Ou seja, António Costa admitiu unicamente estar magoado pela forma como foi envolvido num processo judicial cuja factualidade é para si a única questão importante em todo o processo político — não o judicial que como muito bem sempre defendeu: “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” — que conduziu ao fim do seu Executivo.

Esta entrevista foi, aliás, um mar de lamúrias e soundbites, entre outros ditados populares, do tipo “quem não se sente não é filho de boa gente”, cujo simplismo e oquidão pretendeu apenas e tão só produzir, em directo, uma lavagem de imagem de um Primeiro-Ministro demissionário que há muito queria largar essa função para se dedicar a outros voos de uma carreira política que está longe — muito longe — de ter terminado.

De resto, se há coisa que todos aprendemos com o Partido Socialista, desde Sócrates, são as denominadas “narrativas”. O PS é, manifestamente, o partido das narrativas. Tudo se explica e resume por uma boa narrativa. António Costa especializou-se na narrativa do “virar de página”. Tantas foram as páginas que ele virou ao longo destes oito anos sem que nada, em respeito pela mais imaculada verdade, tenha resolvido.

Foi a página da austeridade que virou no maior aumento da carga fiscal de toda a nossa história democrática. Foi a página da crónica incapacidade socialista — pelo próprio assumida — para governar com contas certas, mas que na realidade são mais uma falácia, na medida em que esse acerto de contas custou aos portugueses os piores serviços públicos de todo o sempre. Foi a página da pandemia, como se porventura este Governo tivesse alguma responsabilidade no seu término, muito embora tenha, isso sim, sido responsável pelo descalabro da economia portuguesa com os piores resultados de toda a europa, os quais ainda não conseguimos corrigir e ultrapassar, ao contrário da esmagadora maioria dos países nossos parceiros da União Europeia. Foi a página da TAP nacionalizada, com custos insuportáveis para os contribuintes que culminou em despedimentos milionários feitos e acordados por Whats App.

Enfim, páginas e mais páginas viradas das mais diversas e sucessivas narrativas, cujas estórias, porém, não conseguiram esconder a história real destes oito miseráveis anos de tristeza infinita que bem se pode ilustrar pela espectacular ultrapassagem que Portugal viu a Roménia fazer…

A única página virada com sucesso foi a página da ingovernabilidade à esquerda, i.e., do PS com o PCP e BE que António Costa, de facto, cumpriu com uma geringonça de má memória, responsável — entre outras situações — pelo estado da saúde portuguesa, através de uma revolucionária lei de bases da saúde consubstanciada na paranóia ideológica que fez com que os médicos que sempre se dividiram entre público e privado tivessem de escolher apenas um dos sectores no qual trabalham, optando, obviamente, quase todos pelo privado para desgraça do moribundo SNS.

Isto sem esquecer o que essa geringonça significou para a memória colectiva democrática de todos aqueles que, em 1975, liderados por Mário Soares — que se fosse vivo teria feito por estes estranhos dias de Dezembro deste ano 99 anos de idade — estiveram na Fonte Luminosa a combater, em nome da liberdade e da democracia liberal pluralista, os comunistas que queriam impor em Portugal uma República Soviética e estavam dispostos a provocar uma guerra civil para o garantir. Por mais voltas que dêem ao texto das narrativas todas que entendam difundir, essa traição aos valores da democracia ocidental é uma página que nunca, jamais, conseguirá virar.

Disto isto, a saída de António Costa do cargo de Primeiro-Ministro que o mesmo efectivamente pretendia levar a cabo para prosseguir com a sua carreira política, desta feita ao nível internacional, apesar de ter ocorrido por meio de uma situação escabrosa é, na realidade, mais uma página virada da narrativa socialista. Pelo que, se alguma mágoa existisse, ela só poderia ser em relação a si próprio e à responsabilidade que teve em levar para o Governo da República gente estranha, sem currículo, sem credibilidade, sem idoneidade.

Em suma, magoados estamos nós com o mal tremendo que toda esta gente escolhida e liderada pelo demissionário Primeiro-Ministro, ora em gestão, António Costa fez a Portugal.

Em 10 de Março de 2024 será o dia de colocarmos um derradeiro ponto final nas narrativas.


Artigo publicado no Jornal O DIABO.