A seguir ao 25 de Abril de 1974, houve quem pensasse que a deriva independentista das ex. colónias portuguesas se estendesse às ilhas atlânticas dos Açores e da Madeira, tendo, a esse propósito, sido constituídos uns grupos responsáveis por algumas brincadeiras do tipo separatista, levadas a cabo por meia dúzia de diminuídos mentais que “inflamaram” a jovem democracia em construção, acabando, naturalmente, por sucumbir à sua completa inutilidade superveniente.

Não obstante, prudente será não olvidar que a “Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira”, ou simplesmente FLAMA como ficou conhecida, foi uma organização separatista, do tipo paramilitar que perpetrou mais de 200 ataques terroristas-bombistas com o objectivo de impor a independência do arquipélago em relação ao restante território nacional. Atentados bombistas, esses, ocorridos entre 1975 e 1978 – não apenas durante o PREC, como indo muito além do 25 de Novembro de 1975 e da entrada em vigor da nova Constituição, de 25 de Abril de 1976, que consagrou a autonomização dos arquipélagos portugueses atlânticos da Madeira e dos Açores (onde existia um movimento idêntico designado por FLA – Frente de Libertação dos Açores) – sem que nenhum deles tivesse ido a julgamento.

Ultrapassada esta fase de enorme demência regional, a FLAMA veio a perder muito do seu gás detonador, o que fez com que praticamente se desvanecesse e quase desaparecesse. Ou melhor, se desintegrasse, integrando-se os seus membros – provenientes de algumas das elites da região – no seio do Partido Social-Democrata da Madeira, onde encontraram o asilo político tolerante necessário para nunca terem respondido perante a justiça sobre o que fizeram!

De então para cá, a região foi sendo governada em paz e sossego por sucessivas maiorias absolutas mono-partidárias do PSD-M, liderado pelo seu carismático líder Alberto João Jardim que nunca precisou de fazer coligações com absolutamente ninguém e que foi o grande timoneiro do, inegável, desenvolvimento regional, cuja transformação é verdadeiramente impressionante, alicerçada em crescimentos económicos consolidados o que, sem sombra de dúvida, tem ajudado o PSD-M a manter o poder político de forma hegemónica, mesmo depois de substituído o seu líder histórico pelo atual líder e Presidente do Governo Regional.

Porém, Miguel Albuquerque, tem tido o condão de fazer cair a posição dominante do PSD-M na região. É notória a perda de influência política das suas “maiorias”, bastando tão somente uma análise muito rápida aos resultados dos últimos quatro actos eleitorais regionais da Madeira para nos apercebermos, graficamente, dessa curva descendente e, bem assim, de outras curiosidades. Repare-se:

Em 2011, último sufrágio de Alberto João Jardim, o PSD-M teve maioria absoluta com cerca de 49% dos votos e 25 deputados, tendo o CDS ficado em segundo lugar com quase 18% e 9 deputados. Numa conta simples de aritmética, os dois partidos contabilizavam, à época, 34 deputados na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM). Quatro outras curiosidades destas eleições traduzem-se nos 6 deputados eleitos pelo PS, 3 pelo PTP, um pelo estreante PAN e um também pelo MPT.

Em 2015, primeiro sufrágio de Miguel Albuquerque, o PSD-M teve a sua última maioria absoluta com pouco mais de 44% dos votos e 24 deputados. O CDS manteve o segundo lugar, com quase 14% e 7 deputados. Somados os dois partidos contabilizavam então 31 deputados na ALRAM. Nestas eleições as curiosidades assinaladas no anterior sufrágio, resumem-se a uma coligação entre todos aqueles partidos, mas com um desastroso resultado que apenas deu os mesmos 6 deputados que o PS tinha conseguido sozinho, ou seja, esta coligação sem sentido entre PS, PTP, PAN e MPT fez perder 5 deputados anteriormente contabilizados pelos partidos em causa isoladamente.

Em 2019, o PSD-M perdeu clamorosamente a maioria absoluta com o pior resultado de sempre 39% dos votos e 21 deputados. Conseguindo o CDS uma monumental derrota com menos de 6% e 3 deputados. Feito histórico que obrigou à necessária constituição de uma “AD-M” apenas para manutenção do poder, garantindo à míngua uma maioria absoluta aritmética, mas sem alma nem chama e, a prazo, ferida de morte… Isto numas eleições que se traduziram pelo melhor resultado de sempre do PS, com 36% dos votos e 19 deputados na ALRAM à custa, também, do desaparecimento dos três irresponsáveis partidos que anteriormente tinham feito aquela aberrante coligação. Designadamente PTP, PAN e MPT.

Aqui chegados, foram perfeitamente naturais os resultados das últimas eleições regionais de 24 de Setembro, nomeadamente obtidos por aquela coligação desajeitada entre o PSD-M e o CDS ao não conseguirem a maioria absoluta. Como expectável era que dois dos novos partidos com expressão nacional conseguissem representação na ALRAM, designadamente o Chega e a Iniciativa Liberal. E, de igual forma, em função do que viesse a ser o resultado do PS, eventualmente, PAN e BE pudessem eleger deputados na região.

Perante tudo isto – e tendo em conta que a nível nacional o centro-direita democrático encontra-se numa aflitiva crise de liderança que não consegue afirmar-se credível como alternativa ao Partido Socialista –, o sentido de Estado dos políticos regionais aqui intervenientes, exigiria da parte do PSD-M uma abertura evidente à IL como parceiro, não no Governo regional mas sim na respectiva Assembleia Legislativa, colocando assim o superior interesse nacional acima dos demais interesses partidários em causa.

Pelo que nada conseguiu ser mais lamentável do que a demonstração política das prioridades para a região e, consequentemente, para o país, mas acima de tudo, o impacto que a mesma promoveu quanto ao estímulo e à esperança de milhões de nossos concidadãos no futuro próximo, daquela decisão tomada por um cacique regional sem estofo nem dimensão continental, em ter submetido a antiga filial do seu partido na Madeira a uma coligação com fanáticos do mundo animal, desprovidos de inteligência e razoabilidade políticas, mas que vão impondo a sua agenda paranóica e totalitária com o inestimável contributo e cumplicidade do PS e agora do ex. PSD-Madeira.

E digo isto, sabendo de antemão que o eventual acordo que esteve em cima da mesa seria um sacrifício enorme – quase mesmo insuportável – para a Iniciativa Liberal da Madeira, mas que, contudo, estava genuinamente disponível para o fazer, em nome de algo maior do que a ilha, i.e., colocando o tal superior interesse do país à frente dos seus próprios interesses. Aquilo que o fundador do PPD/PSD Francisco Sá Carneiro – meu farol de princípios, de ética e de decência política – toda a sua vida defendeu e que, aliás, pelo qual morreu. Enfim, parece já ninguém por lá se lembrar disso. Eu lembro-me e não esqueço!

É uma pena a Madeira manter uma liderança daquele calibre que hoje, de novo, in-flama…


Artigo publicado no Jornal O DIABO