Na semana passada tivemos duas notícias que passaram quase despercebidas, sem análise de fundo nem grandes comentários, e que, a meu ver, juntando-se-lhes outras duas, formam a peça-chave para a conclusão de um certo puzzle que teimava em não conseguir fechar.

A primeira, do Diário de Notícias de dia 23 de Julho, referia-se aos resultados de um estudo de opinião feito pela Aximage para DN/JN/TSF em que “(…) mais de metade (54%) dos jovens entre os 18 e os 34 anos a residir em território nacional admite a possibilidade de trabalhar fora de Portugal embora a maioria considere que o país é “bom para viver” e acredite usufruir de melhores condições de vida do que a geração dos pais. Apesar de conscientes das potencialidades da economia portuguesa, os jovens estão preocupados com a instabilidade financeira, a habitação e a precariedade no emprego, por esta ordem, de acordo com a sondagem (…)”.

A segunda, da TSF de dia 27 de Julho, reportava-se à decisão inédita do Governo em “(…) enviar funcionários para recrutar trabalhadores de Marrocos, Timor, Índia e Cabo Verde. Pela primeira vez, o Executivo colocou adidos no estrangeiro com a missão de atrair imigrantes para Portugal. A Ministra do Trabalho assegura que serão valorizados e terão uma ligação fácil com as empresas lusas”.

Juntando-se uma terceira notícia, anterior a estas duas, do Jornal de Notícias de dia 5 de Julho, que dava conta da decisão anunciada pelo Governo de “pretender contratar entre 200 a 300 médicos oriundos de países da América Latina, incluindo Cuba, para reforçar os centros de saúde carenciados”, que fez com que o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tivesse sido ouvido na passada semana na comissão de Saúde da Assembleia da República – a pedido da Iniciativa Liberal – por forma a dar explicações às fortes suspeitas de violações graves de Direitos Humanos em acordos de contratação de médicos entre os Estados português e cubano, designadamente a retenção, por parte de Cuba, de cerca de 80% do vencimento dos médicos contratados e pagos por Portugal, quando o actual Ministro era Secretário de Estado da Saúde e então Ministra da referida pasta Ana Jorge.

Situação esta que, na realidade, remete-nos para uma quarta notícia muitíssimo anterior a todas as outras, in casu, do Jornal i de 19 de Agosto de 2014 que pôs a nu toda a situação relativa à contratação de médicos cubanos em 2009, em que cada médico iria auferir um salário mensal de 5.900 euros brutos (valor entretanto revisto e actualizado em 2011 para 4.230 euros), mas que, em ambos os casos, cada médico aqui em causa apenas recebeu pouco mais de 1/5 daquele valor, i.e., 900 euros de salário líquido mensal.

Estas notícias são, pois, a informação que faltava para resolver o enigma envolto das tenebrosas movimentações de puro tráfico humano e de neo esclavagismo de que vamos tendo conhecimento – nalguns casos vendo e assistindo – e cuja veracidade nos é confirmada pelas detenções efectuadas pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito de inerentes processos de investigação, em fase de inquérito, liderados pelo Ministério Público.

Sabemos bem, porque vemos com os nossos olhos, que o que está a acontecer relativamente à imigração (e ainda sabemos muito pouco) são apenas indícios de um repugnante problema de assustadora dimensão, transversal a vários sectores e actividades económicas.

Também sabemos identificar a génese deste problema: um “simplex” totalmente irresponsável com a criação de uma plataforma digital online que permite o registo de milhares de pessoas oriundas de todo o mundo, sem limites e sem controlo. Culminando num entupimento contínuo de processos sem resposta, sem S.E.F. – desmantelado, aliás, num processo de extinção por decisão governativa que é, per se, todo um mistério por desvendar e que vale a pena estudar e investigar de forma autónoma – e com a livre entrada de imigrantes, sem qualquer tipo de requisito prévio como seja um contrato de promessa de trabalho ou uma simples, mas verosímil, morada de residência que não um mero endereço qualquer para efeitos de registo, como alguns ali mesmo na Mouraria que têm milhares de “residentes”…

Sim, sabemos que tudo isto tem a assinatura do Governo da Geringonça de 2017. Sim, os responsáveis materiais por cada uma das violações dos Direitos Humanos, perpetradas no nosso país contra estas pessoas, têm a cumplicidade daqueles que são os responsáveis políticos por esses crimes, i.e., PS, PCP e BE.

Se dúvidas restassem tudo agora se esclareceria: o Governo de Portugal pura e simplesmente desistiu da grande ambição política que o país traçou desde o início do processo de negociação que nos trouxe à União Europeia, a de ser um Estado-membro de primeira linha de desenvolvimento político, económico e social.

Não. Essa condição ideal enquanto desígnio nacional deixou de o ser. O Governo – este Governo – não quer.

Não quer porque para tanto, mais que reformar, necessitaria de transformar verdadeira e profundamente o país. Mudar de paradigma. Alterar o modelo político-económico e social, através de políticas públicas adequadas que permitam às pessoas viver, consumir, poupar e enriquecer (verbo a inserir no léxico político-governativo em substituição do antagónico empobrecer) com os rendimentos que auferem pelo esforço do seu trabalho.

Mudanças profundas com resultados garantidos em meia dúzia de anos, através de uma redução brutal de impostos, colocando imediatamente mais dinheiro disponível no bolso dos contribuintes. Mas com custos, nomeadamente para os partidos políticos, na oferta de emprego disponível para os seus militantes e simpatizantes…

Um país desenvolvido, com uma democracia sólida, forçosamente tem uma sociedade forte e verdadeiramente empenhada. E isso não se coaduna com salários baixos nem com resignação ao empobrecimento, à miséria e à indiferença quanto à violação de Direitos Humanos.

Portugal não tem de ser isto!


Artigo original publicado no Jornal O DIABO