Está nas primeiras páginas de qualquer manual de economia: o preço de um produto depende da oferta e da procura. Maior procura tende a aumentar o preço. Isto acontece porque quem vende tem interesse em fazê-lo pelo maior preço possível. Se houver muitos interessados num produto e a oferta for escassa, o vendedor tenderá a subir o preço, na esperança de que, no meio de tantos possíveis compradores, que competirão entre si, haja alguém disposto a pagar um valor mais elevado.

Esta é obviamente uma simplificação da lei da oferta e da procura, a qual inclui alguns pressupostos que não irei abordar aqui, sob pena de perder leitores logo no segundo parágrafo. O que interessa é que, em regra, no mundo real os preços são determinados desta forma.

O principal fator que afeta a procura é o rendimento dos consumidores. As mudanças de rendimento afetam a procura, na medida em que a redução de rendimento diminui a capacidade e a vontade de se comprar um produto a determinado preço e, inversamente, se o rendimento de uma pessoa aumentar, as suas capacidade e vontade de comprar esse produto também aumentam.

Dito de outra forma, o incremento do rendimento aumenta a procura; sendo a procura mais
elevada, aumentará o preço do produto – isto assumindo que a quantidade do produto em oferta se mantém inalterada.

Esta introdução é relevante para o que segue. É sempre útil voltar à base (“back to basics”, dizem os anglo-saxónicos) para se compreender como funcionam os mercados e como intervenções populistas do Estado, ou das autarquias, podem ter efeitos perversos.

“Lisboa paga 33% da renda a quem gasta mais de um terço do salário por mês”, escrevia há dias o “Novo Semanário”. Nesta frase, “Lisboa” significa “contribuintes”.

Quando a Câmara Municipal de Lisboa (CML) anuncia que os contribuintes vão suportar um terço das rendas em Lisboa – desde que sejam cumpridas certas condições, que para o efeito do presente texto são irrelevantes –, na prática está a colocar mais dinheiro na disponibilidade dos consumidores. Consequentemente, a procura tenderá a aumentar e, pelo efeito acima explicado, as novas rendas tenderão a subir.

Vejamos um efeito prático: se a CML pagar um terço de uma renda de 1.200€, que é o valor máximo da renda a subsidiar, conforme previsto pelo Subsídio Municipal ao Arrendamento Acessível (SMAA), o arrendatário pagará apenas 800€. Se um proprietário, antes de ser anunciado publicamente o SMAA, colocasse no mercado uma casa para arrendar por 1.000€
mensais, os potenciais interessados teriam de estar dispostos a pagar esse valor. No entanto, a partir do momento em que foi anunciado o SMMA, o proprietário poderá pedir o máximo de 1.200€ para a mesma casa, o que, mesmo assim, será mais barato para o consumidor do que o valor sem subsídio. Ou seja, o efeito prático do anúncio do subsídio é estimular a subida das rendas.

Um efeito semelhante acontece quando o Estado resolve intervir no mercado do crédito à habitação, como tentarei explicar a seguir.

Uma vez que a grande maioria dos consumidores não dispõe de liquidez para comprar uma casa a pronto pagamento e tem de recorrer crédito bancário, o valor da prestação mensal a pagar ao banco traduzirá, para o consumidor, o preço do produto. Se a prestação baixar, aumentará a procura. Se a procura aumentar, aumentam os preços.

As estatísticas demonstram uma correlação quase perfeita entre taxas de juro e pedidos de crédito. Se houver menos pedidos de crédito, haverá menos procura e os preços das casas tenderão a baixar. De forma simples e linear: quanto mais baixas forem as taxas, mais caras serão as casas, e vice-versa. A recente subida de taxasimposta pelo Banco Central Europeu (BCE) – para combater a inflação, depois de a ter provocado por andado uma década a fabricar dinheiro – refreou por isso a subida de preços e deverá até levar a uma descida (especulação minha).

Entretanto, o Governo anunciou novas medidas de “apoio” ao pagamento de prestações, as quais preveem nomeadamente que, se a Euribor estiver acima de 3%, o Estado pagará a diferença (leia-se: “os contribuintes, através do Estado, pagarão a diferença”).

Quando o Estado obriga os contribuintes a pagar parte dos juros de quem tem crédito à habitação, está a provocar dois efeitos perniciosos complementares.

O primeiro efeito é o de baixar o custo da prestação para os consumidores, aumentando a procura e, consequentemente, os preços. O segundo efeito é o de estimular os bancos a, racionalmente, em contratos novos, imporem um spread mais elevado.

Este segundo efeito é mais sofisticado, mas vale a pena descodificá-lo. Imaginemos que a Euribor se encontra em 4% e o spread (margem do banco) é de 0,5%. Sem bonificação, a taxa para o consumidor será de 4,5%.

Aplicando a bonificação anunciada, o consumidor pagará apenas 3,5%, uma vez que a Euribor se encontra um ponto percentual acima dos 3%. Os contribuintes pagarão o 1% restante.

Nesta situação, imaginemos que o banco aumenta o spread para 0,75% (para novos contratos): ainda assim o preço para o consumidor será mais baixo do que os 4,5% iniciais(sem bonificação), uma vez que pagará apenas 3,75%.

É claro que o mercado de habitação depende de múltiplos outros fatores, como sejam a quantidade de casas disponíveis ou os benefícios fiscais concedidos a reformados estrangeiros. Todavia, esta complexidade não invalida que sejam reais os efeitos indicados.

O mesmo se passou nos anos noventa do século passado com o “crédito jovem bonificado”, em que o Estado pagava, sem limite do montante de crédito, 44% dos juros nos dois primeiros anos dos empréstimos, decrescendo paulatinamente a bonificação nos anos subsequentes. As consequências foram aumentos de preços e juros artificialmente mais elevados dos que seriam aplicáveis num contexto de diminuição de taxas por força do esforço da convergência para a moeda única, a que Portugal aderiu em 1999. As contas são semelhantes às feitas acima, só que com taxas que chegaram a 12%.

Aprende-se muito com o passado. “Study history, study history”, disse Churchill a um aprendiz de política.

Um artigo com muitos números corre o risco de tornar-se fastidioso, mas parece-me importante dar exemplos práticos para que se compreenda como medidas populistas podem ter consequências perniciosas a médio prazo. Infelizmente, esta causalidade nem sempre é percebida pelo público. A prestação baixa no imediato, e é isso que importa para a popularidade. Quando o efeito perverso chegar, a culpa não será do Governo. Será do BCE. Ou da guerra.

Como afirmou em tempos Ernâni Lopes, “a economia ajusta-se sempre”.

PS: À data em que escrevo este texto, a Euribor a 12 meses encontra-se em 4,2%.


Artigo completo publicado no Jornal O DIABO