Começando pelo dever deontológico de expressar a minha declaração de interesses, quem me conhece sabe que tenho uma profunda admiração pessoal e política pelo Presidente Aníbal Cavaco Silva. Quer como académico, investigador e professor universitário de economia e finanças, quer como político destacando-se o facto inédito na democracia portuguesa de contar com um invejável currículo de 21 anos ao serviço do país nos mais altos cargos do Estado: um ano como ministro das Finanças e do Plano do VI Governo Constitucional, liderado por Francisco Sá Carneiro, dez anos como primeiro-ministro dos X, XI e XII Governos Constitucionais e outros dez anos como 19º Presidente da República (o quarto eleito na actual III República, de 1976).
Homem sério, politicamente honesto, tem o condão de ser simultaneamente o político mais amado e mais odiado de todos os que foram e são contemporâneos de regime. Amado e odiado, desde logo, por ter sido o único até agora – e não se vislumbra no horizonte outro – a conseguir a proeza de ganhar cinco das seis eleições sufragadas a que democraticamente se submeteu. Assim venceu, com maioria relativa, as eleições legislativas de 1985 e, com dupla maioria absoluta sucessiva e crescente, em ambos os casos com mais de 50% dos votos dos eleitores, em 1987 e em 1991. Feito histórico repetido nas duas eleições presidenciais de 2006 e 2011, tornando-se dessa forma o maior coleccionador de maiorias absolutas de votos, i.e., quatro. Todas acima dos 50% dos votos validamente apurados.
E mesmo na derrota – tão natural quanto a vitória numa democracia normal e sadia – Cavaco Silva foi inexcedível ao obter nas eleições presidenciais de 1996 a preferência de 46% dos votos expressos democrática e livremente pelos portugueses.
Só estes factos, aqui gelidamente recordados, são mais do que suficientes para irritar solenemente os seus detractores e adversários políticos. Pois basta pensar que não existe, nem nunca existiu, nenhum outro protagonista político que tivesse conseguido maiorias absolutas legislativas daquela ordem de grandeza. Tal como nenhum outro político português foi dez anos PM e outros dez PR. Sendo verdade que todos os anteriores inquilinos do Palácio de Belém foram-no durante a mesma quantidade de tempo e de mandatos, apenas Mário Soares foi também inquilino do Palácio de S. Bento e, muito embora tendo liderado três Governos Constitucionais (I, II e IX), os mesmos foram de forma extrapolada, num período total de seis anos. Isto, para além de contar com três monumentais derrotas eleitorais: nas legislativas intercalares de 1979, em que o PS obteve 27% dos votos contra 45% da Aliança Democrática, nas legislativas de 1980, em que a coligação Frente Republicana Socialista (PS, ASDI, UEDS) obteve os mesmos 27%, mas agora contra quase 48% da AD e, por fim, nas presidenciais de 2006 – precisamente contra Cavaco Silva, aliás, a única batalha eleitoral que ambos travaram directamente –, em que obteve uns constrangedores 14% ficando em 3º lugar.
Ora, como está bem de ver, ao longo de todos estes anos a irrigação sanguínea dos socialistas foi subindo de forma descontrolada e sem dar tréguas mesmo nos momentos de interregno de cargos políticos do Presidente Cavaco Silva. Isso mesmo se confirmou durante a década de 1995 a 2005 e desde 2016 até ao presente momento.
Seja por via de artigos de opinião que cada vez que são publicados provocam sismos, alguns dos quais de grande magnitude e fortemente sentidos, causando estragos ao edificado político do país, ou ainda de forma mais detalhada, em livros autobiográficos, de memórias dos vinte anos de mandatos de PM e de PR, entre outras obras literárias mais dedicadas à academia e às ciências económicas, financeiras e políticas – autênticos manuais de aprendizagem prática (mais do que teórica) – e um testemunho ímpar de alguém avalizado e irrepetível na cena política portuguesa e europeia, Cavaco consegue irritar ainda mais pelas inevitáveis comparações daquilo que foram os seus mandatos, a sua actuação no desempenho das diferentes funções e, principalmente, os resultados por si obtidos. O que, compreensivelmente, é de levar aos arames a esmagadora maioria dos actores políticos que o antecederam e o sucederam nos respectivos cargos!
Como primeiro-ministro Cavaco Silva transformou Portugal de forma insofismável.
Face àquilo que era a miserável realidade portuguesa em 1985, deixou o país, em 1995, incomparavelmente melhor, mais desenvolvido e com uma população cheia de boas perspectivas de um futuro que era fácil de alcançar se o rumo até então tivesse sido seguido… Aquela década que vivi intensamente, como jovem estudante do ensino secundário até à entrada na universidade foi, absolutamente, maravilhosa por cheia de prosperidade e vontade em fazer acontecer. Os Governos de Cavaco foram os mais liberais de todo o século XX em Portugal e deixaram um legado que até um cego consegue ver.
Já os três Governos de António Costa e a sua maioria absoluta “poucochinha” de 41% dos votos, depois de uma “geringonça” que começou com um autêntico golpe palaciano alicerçado numa maioria inorgânica de três partidos eleitoralmente derrotados em 2015, deixará um lastro de decadência e empobrecimento que, mais do que ver, todos iremos sentir e só não nos colocará em situação idêntica à existente até 1985 porque temos, apesar de tudo, o desenvolvimento trazido por aqueles dez anos de crescimento económico que disfarçam a realidade. Mas em relação ao resto, i.e., quanto à qualidade de vida das pessoas, quanto à qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado, quanto ao esbulho violento da carga fiscal que esmaga famílias e destrói empresas, quanto à emigração galopante dos nossos melhores em busca da felicidade que aqui não têm, quanto à qualidade da justiça, da política e da democracia, tudo está já pior do que estava em 1985.
É, pois, neste contexto que um dos temas abordados no seu novo livro “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”, para além de oferecer um belíssimo estudo de ciência política sobre a arte de governar, o autor recupera a ideia central daquele histórico artigo de 2004, que levou à queda do então XVI Governo Constitucional liderado por Pedro Santana Lopes, aliás, de forma muito injusta e que teve como consequência a chegada ao poder do “animal feroz” e de tudo o que, enfim, se seguiu com os custos de uma criminosa bancarrota.
Se daquela vez o Presidente Jorge Sampaio aplicou “a contrario” a lei económica de Gresham, segundo a qual “a má moeda expulsa a boa moeda”, quando em comparação ao que nestes oito anos tem ocorrido, perante os olhos de toda a gente, aquela situação configurou uma brincadeira, o que esperar desta vez que a coisa é realmente grave e põe em risco, de novo, a viabilidade do país – ao ponto de Cavaco não se ficar por artigos de opinião mas sim publicar um livro inteiro –, aplicará o Presidente da República a citada lei económica? Ou continuará Marcelo Rebelo de Sousa a permitir que os agentes políticos incompetentes afastem os competentes?
Confesso que não arrisco uma resposta porque, sinceramente, tenho imensas dúvidas e não me quero enganar… Mas uma coisa eu sei. É por tudo isto que cada novo artigo, cada nova entrevista e cada novo livro de Cavaco Silva irrita os socialistas e outros que tais!

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