Em Portugal não é novidade para ninguém que é durante os três meses de Verão que a esmagadora maioria da população opta por gozar as suas férias. Seja durante um período integral ou parcial, quase toda a gente tira férias no Verão. E se isto é uma daquelas verdades que o senhor de La Palisse não diria melhor — de entre os quatro meses que compõem a mencionada estação do ano — é insofismável a preferência pelo “querido” mês de Agosto.

Talvez por ser o mês de férias dos órgãos de soberania, desde logo as férias judiciais, em que os tribunais apenas funcionam para os processos urgentes. As férias políticas, do Presidente da República, da Assembleia da República — cujo funcionamento está limitado à Comissão Permanente (o mesmo se dirá do poder local, com os órgãos políticos das autarquias, entre municípios e freguesias em paragem total ou a funcionar nos mínimos) — e do Governo.

Talvez ainda por ser nesta altura que todas as instituições de ensino, do pré-escolar à universidade, interrompem a sua actividade para gáudio dos alunos que desde o primeiro dia da sua longa caminhada formativa vão compreendendo, em sentido prático, o que significa “estar de férias”.

Talvez porque a maioria das pessoas prefira mesmo gozar as veraneantes férias em Agosto, sendo  este, aliás, o mês escolhido pelos nossos concidadãos emigrantes que residem por esse mundo, onde trabalham e/ou estudam para regressarem a Portugal, às suas origens locais onde marcam presença durante as suas merecidas férias anuais, perto dos seus familiares e amigos, trazendo consigo um colorido extra que pinta cada localidade, um pouco por todo o território nacional, de uma alegria contagiante que se estende até ao início de Setembro.

É, pois, perfeitamente lógico ser durante o mês de Agosto que se realizam as populares festas de Verão. De resto, com excepção de Lisboa e Porto que realizam as suas festas no mês de Junho (santos populares) esta é uma realidade que perdura entre gerações e, naturalmente, se consolidou depois de conquistada a democracia.

Tais eventos, porém, eram integralmente realizados pela sociedade civil, i.e., pelos cidadãos locais, através da ligação inorgânica com as respectivas paróquias — por isso todas estas festividades têm um(a) santo(a) padroeiro(a) ligado à Igreja Católica, em honra do(a) qual se realizam —, mas também através do associativismo local que tão forte era em todo o país até há pouco mais de duas décadas. Designadamente, colectividades de cariz clubístico e desportivo, mas também cultural e recreativo. São largas centenas de associações desta natureza registadas em Portugal que, num passado não muito distante, tinham vida própria e eram verdadeiramente independentes até serem “sequestradas” pelo poder político local.

Muitas dessas associações foram usadas por protagonistas políticos actuais que não tendo iniciado as suas protuberantes carreiras noutras organizações político-administrativas locais ou em empresas públicas municipais (à data em quantidade incomparavelmente inferior), conseguiram através da participação nos órgãos sociais dessas colectividades fazer brilharetes com os apoios financeiros atribuídos pelas autarquias para incentivar a prática do desporto e a competição regional ou potenciar a criação artística. Na maioria dos casos actividades já existentes, muitas com enorme sucesso em associações de amplo reconhecimento que sempre funcionaram sem dependerem dos respectivos orçamentos da freguesia e do município onde se inserem.

Todavia, passaram a receber essas verbas de forma normalizada para grande satisfação da população. Dirigentes, sócios, amigos e simpatizantes, enfim, eleitores na mesma freguesia eternamente gratos a quem conseguiu essa maravilha. Esse tal dirigente que tudo fez pela associação X, Y ou Z da sua terra. Alguém, portanto, com entrada garantida quando a seguir se candidatar à presidência da Junta ou da Câmara…

Foi deste modo que todos nós acabámos por ingenuamente contribuir para liquidar a essência do associativismo: a liberdade de actuação e a independência de funcionamento em relação ao Estado. E, consequentemente, enfraquecido a sociedade como um todo. Tudo parte de uma estratégia de captação e fixação de votos pelos diferentes partidos políticos incumbentes na manutenção do poder, como fomos comprovando ao longo dos sucessivos actos eleitorais, culminando as associações na mais completa dependência do poder político local, quase todas desistido de fazer por si próprias o que quer que seja. Agarradas ao financiamento proveniente dos orçamentos municipais que assumiram as despesas com toda a tranquilidade. O mesmo será dizer à mercê das vontades e das conveniências dos partidos do poder.

Removida foi a necessidade das associações desportivas, recreativas e culturais de se reinventarem na angariação de verbas necessárias à disposição das suas actividades principais ou à realização de projectos idealizados. Nada hoje precisam fazer, não mais havendo espaço à desnecessária criatividade da sociedade.

São infinitas as festas e os festivais organizados pelos municípios e pelas freguesias — alguns de grande dimensão competindo com o “Alive” ou o “Rock in Rio” — que, ano após ano, vemos nas cidades, vilas e aldeias do país e, como é evidente, são também suportadas pelos respectivos orçamentos, i.e., pelo dinheiro dos contribuintes em impostos, taxas e taxinhas.

Não há município português que não tenha erguido numa qualquer praça central um palco onde actuam os mais diversos artistas de maior ou menor renome (todos eles igualmente dependentes dos orçamentos públicos). Eventos à tarde e à noite, uma agenda contínua feita a gosto de um vereador qualquer, em completo desprezo pela actividade económica privada, como lojas, cafés, restaurantes e bares cujos proprietários não foram consultados nem puderam emitir opinião sobre o assunto, vendo-se confrontados com estas iniciativas dominadoras do espaço público físico e auditivo que impede qualquer possibilidade de promoverem a animação que entendam por mais adequada à realidade dos seus estabelecimentos comerciais.

Proprietários privados que pagam os seus impostos e veêm quartada a sua liberdade, limitada a capacidade de actuação na sua própria actividade económica, por força de uma invasão pública municipal totalmente absurda quanto potencialmente nefasta aos seus negócios e aos seus clientes, forçados a levar com o “line up” de tais agendas municipais.

Absorvido o associativismo e transformadas as colectividades em dependentes subsidiados, num acto de enfraquecimento da sociedade portuguesa, o poder autárquico despertou agora para o entretenimento, mostrando-se capaz de arrasar com tudo o que ainda mexa fora da sua alçada, impondo um programa de festas à restante iniciativa privada.

Creio estar na hora de dizer aos senhores presidentes de câmara e respectivos vereadores que desapareçam. Digam aos seus colegas para desaparecer. Não queremos políticos a fazer o trabalho que os privados fazem e sabem fazer muitíssimo melhor!

Artigo original publicado no Jornal O DIABO