Cidades há, por toda a Europa ocidental, que preservam o seu património, a sua memória histórica, a sua matriz identitária do tempo e do espaço urbano.

Cidades há, por toda a Europa ocidental, que esventradas por guerras e bombardeamentos durante o séc. XX se reconstruiram, requalificaram, preservaram, protegeram e promoveram o seu património histórico, como dever de memória e sobretudo como salvaguarda de uma matriz cultural.

Cidades há, por toda a Europa ocidental, onde as instituições públicas e igualmente as entidades privadas, investem e promovem o património histórico como atividade económica rentável que permite a sua conservação e manutenção, para usufruto das cidades e dos cidadãos.

Esta é uma realidade tangível em praticamente todas as capitais, mas também em grande parte das cidades europeias. A literacia cultural é, e sempre foi, aquilo que diferencia as sociedades europeias da contemporaneidade de muitos países e sociedades do mundo. É a literacia cultural que permite que a cidadania participe e apreenda o valor da memória e do património e que possibilita o conhecimento e a valorização destes espaços.

Só se protege e só se valoriza aquilo que se conhece. É um conceito que poderia ser de “Monsieur de la Palisse”, não fossem as evidências comuns, em Portugal, de que mesmo uma verdade evidente tem pouco eco nos decisores políticos e na sociedade portuguesas. Isto acontece, em grande medida, porque Portugal é um país onde as populações são culturalmente pobres. As classes dirigentes, com honrosas exceções, que também as há no nosso país, transportam consigo, muitas vezes, a iliteracia cultural de origem.

Em grande medida, os problemas que se colocam sobre as questões patrimoniais em Portugal são eminentemente políticos. Políticos porque na sua esmagadora maioria são decisões administrativas, dependem de decisão da tutela e dos dirigentes da administração pública mais do que de qualquer outro critério. As questões financeiras associadas muitas vezes ao património cultural são um falso argumento. Dezenas de edifícios culturalmente relevantes, não dependem de investimentos financeiros por parte do Estado. Dependem, isso sim, de decisões da administração central para que os problemas se resolvam. Para que isso aconteça, terá de existir a sensibilidade, a preocupação e o interesse por parte dos dirigentes para compreender a importância da salvaguarda desses bens públicos. A administração pública funciona tanto melhor e eficazmente, quanto exista projeto político consequente.

A definição de uma estratégia política que traga reais benefícios e consequências para a salvaguarda do património nas nossas cidades, é uma responsabilidade dos dirigentes políticos. É à classe política, instruída e responsável, que cabe definir prioridades, procedimentos, parâmetros e mobilizar vontades.

Quatro exemplos, todos na cidade de Lisboa e apenas numa única freguesia.

Em Alcântara, existem alguns edifícios culturalmente relevantes, entre estes destacam-se o Convento das Flamengas ao Calvário; a Capela de Santo Amaro; o Palácio Burnay ou a Quinta da Águias. Todos estes quatro edifícios estão ou em estado de ruína, ou sem planos de conservação e em risco de degradação irreversível. Três desses edifícios são propriedade do Estado. A Quinta das Águias é propriedade privada.

Excerto disponível no site do Jornal O DIABO, artigo completo disponível na edição em papel.

Autor: Pedro Bugarín Henriques
Publicação: Jornal O DIABO
Data: 27 de julho de 2023