Acreditar que a redução do IVA chegará aos consumidores é não perceber nada do que é a formação de um preço em mercado livre, essencialmente um equilíbrio dinâmico entre a oferta e a procura. A redução fiscal só se traduz em redução do preço final se for prolongada no tempo, havendo adaptação do mercado no sentido do aumento da oferta e da concorrência. Uma redução temporária não provoca este efeito. E não havendo nem aumento da oferta nem diminuição da procura, não há grande motivo para acreditar que haverá redução de preço.

Os 6% irão evaporar algures entre os produtores e os distribuidores, ambos com as margens muito esmagadas, ao contrário do que a retórica que diaboliza a iniciativa privada tenta fazer crer. O governo, esse, já se desresponsabilizou. Mandatou a Autoridade da Concorrência para a fiscalização dos preços. Ora, primeiro, esta entidade deveria funcionar com autonomia. Segundo, esta fiscalização extravasa claramente as suas competências. E terceiro, não havendo uma fórmula mágica para o cálculo de um preço e estando este dependente de um grande número de fatores, não se adivinha grande resultado. Já para desresponsabilizar o governo, resultou perfeitamente.

A redução temporária do IVA em alguns produtos não funcionará em Portugal como não funcionou em Espanha. Em boa verdade, também não foi projetada para funcionar. Serve essencialmente ao governo para tentar recuperar alguma aprovação da opinião pública, na sequência do forte castigo nas sondagens. Aliás, tal como os 30 euros que serão “dados” à generalidade das famílias, numa lógica de migalhas aos pombos que em países financeiramente pouco letrados como o nosso teimam em funcionar.

E há claro esta lógica profundamente paternalista de ter o Estado a dizer aos cidadãos quais são os bens essenciais na sua alimentação. “Comam bacalhau, mas sem alho. Comam sardinhas, mas não pimentos.”

Se o governo quisesse realmente aumentar o poder de compra dos portugueses, diminuído por via da inflação, seria muito mais eficaz fazê-lo através da redução dos impostos sobre o trabalho. Deixava mais dinheiro na conta bancária de cada português e confiava que cada um lhe saberia dar o melhor destino. Mas a eficácia interessa pouco a quem navega à vista. E com horizontes curtos.

 

Autor: Luís Nobre Lucas
Data: 4 de Abril de 2023
Publicação: Diário de Notícias

Artigo original em https://www.dn.pt/opiniao/chuva-que-evapora-antes-de-tocar-no-chao-16114104.html