Da análise do pacote de medidas Mais Habitação, em consulta pública até ao próximo dia 24 de março, identifico quatro grupos de medidas: as boas, as más, as péssimas e as obscenas.

Comecemos pelas boas, que são as mais fáceis. São apenas duas e parecem perdidas no pacote. Dizem respeito à simplificação dos processos de licenciamento de construção e reabilitação de imóveis. Propõe-se que o licenciamento seja célere, bastando um termo de responsabilidade dos autores dos projetos, compensado por um regime sancionatório em caso de falsas declarações. Adicionalmente, as entidades públicas passarão a pagar juros de mora quando não cumpram os prazos previstos nos atos da sua responsabilidade. Estas medidas dão resposta a uma proposta feita desde há muitos anos e só pecam por tardias.

As medidas más são as que se referem ao alojamento local (AL). Todas elas. São sete medidas, mas podemos resumir a três: fim das novas licenças; anulação de uma grande parte das licenças já emitidas; e estrangulamento fiscal dos sobreviventes. E são más porque se propõem destruir um setor de atividade económica responsável por alojar quase metade dos turistas que nos visitam e do qual depende a subsistência de 55 mil famílias. Mas também porque não terão nenhum impacto significativo na redução do valor das rendas para habitação. Mais de dois terços da oferta de AL está fora dos grandes centros urbanos. São casas de férias sem vocação para habitação ou arrendamento. Do terço que sobra, uma grande parte está nos centros históricos, tem áreas muito diminutas, pouco estacionamento e muitas vezes nem têm elevador. Habitação e AL são mercados que se cruzam pouco. Não se trata de especular acerca do impacto das medidas, porque temos dados que corroboram esta tese. O registo de novos AL está suspenso em todo o centro histórico de Lisboa desde 2019. E o que aconteceu ao longo destes já quase quatro anos às rendas dos imóveis ali localizados? Naturalmente, continuaram a aumentar. O impacto foi nulo ou residual. O governo tem estes dados e por isso só por má fé pode estar a tentar convencer o país de que o AL é o responsável pelo aumento dos preços das rendas. Estas medidas são ainda mais hipócritas porque alguns dos ministros que as apresentam estavam há poucos anos atrás na Câmara Municipal de Lisboa a promover o AL e a incentivar os proprietários à conversão dos imóveis para esta prática, com o objetivo de dar uma nova vida à Baixa, que se encontrava abandonada, devoluta e em ruínas.

As medidas péssimas são todas as que nos fazem recuar 48 anos. “Custos controlados”, “limitação do valor das rendas”, “preço da renda fixado pelo IHRU”, “Estado arrenda”, “Estado compra”, “obras coercivas”, “arrendamento obrigatório”, “arrendamento forçado”, está lá tudo! Meus queridos, segurem as vossas enxadas porque “eles andem aí”! Estas medidas são péssimas porque afugentam os senhorios e os potenciais futuros senhorios do mercado de arrendamento. Com isto, vão fazer o exato oposto daquilo a que se propõem: diminuir a oferta e com isso fazer com que as rendas continuem a aumentar. É aquilo a que os nossos irmãos brasileiros chamam “matar a vaca para acabar com as carraças”.

E chegamos à medida obscena. É aquela que determina que o senhorio será responsável por assegurar uma alternativa de realojamento dos inquilinos quando a casa se encontre sobrelotada. Para além de pagar uma coima, claro está. Esta alternativa tem de ficar “no mesmo concelho, em fogo em estado de conservação igual ou superior ao do locado primitivo e adequado às necessidades do agregado familiar do arrendatário”, especifica a proposta. Então o senhorio que foi burlado pelo inquilino com um subarrendamento ilegal vai depois ser multado e responsabilizado pelo Estado por isso? Não sei quem terá escrito estas linhas do diploma legislativo, mas se o conhecerem ofereçam-lhe ajuda.

Combater este pacote de medidas é obrigação de todos, sobretudo daqueles que vão ser os mais prejudicados por ele: quem precisa de arrendar ou de comprar casa e não o está a conseguir fazer. Até ao próximo dia 24 de março, o combate faz-se aqui.

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Autor: Luís Nobre Lucas
Data: 16 de março de 2023
Publicação: Observador