A crise inflacionista atual resulta de causas externas a Portugal. Neste momento, temos o aumento dos produtos energéticos e de alguns alimentos importados, os custos acrescidos com as cadeias de abastecimento e a política do BCE dos últimos anos como fator gatilho além da guerra na Ucrânia. Portugal não tem como fugir desta realidade, os custos da inflação terão que ser inevitavelmente suportados pela economia e pelos seus agentes económicos. Como todos os processos inflacionistas, este também está a impactar os agentes económicos de uma forma diferenciada. Alguns agentes sofrem mais, dada a rigidez dos seus rendimentos, como é o caso dos assalariados e pensionistas. Outros até acabam por beneficiar com a inflação. É o caso do Estado com o aumento extraordinário das receitas fiscais. Há outros, porém, como os senhorios, que parecem mais uma vez discriminados e na calha para sofrerem as consequências.
Um governo como o de Portugal, a enfrentar um choque inflacionista externo desta natureza, apenas pode fazer duas coisas para mitigar o efeito da inflação nos agentes económicos:
- redistribuir o seu impacto pelos diferentes agentes económicos;
- e contribuir para que este processo inflacionista não se torne numa espiral contínua de aumentos nominais dos preços.
Assim, o governo português pode e deve devolver aos seus cidadãos uma parte do acréscimo dos impostos que lhes está a cobrar graças à inflação que se reflete positivamente na receita fiscal, nomeadamente a proveniente da tributação indireta. Por outro lado, o Estado deve, dentro do possível, evitar que os preços se ajustem automaticamente, porque se tal acontecer estaremos a perpetuar os efeitos inflacionistas.
Relativamente ao arrendamento, a liberdade contratual pouco diz aos nossos governantes, pois desde cedo que os contratos de arrendamento, contrariamente a todas as outras relações jurídicas contratuais, têm um índice de atualização de renda definida pelo governo, até 2001 por Portaria e a partir daí por Aviso. Nos contratos anteriores a 1990, graças ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) de 2012, que pretendia fazer o mercado de arrendamento voltar a funcionar com uma fase transitória (que tem vindo a ser adiada sucessivamente até maio de 2023), podem as rendas ser atualizadas, não obstante o índice, através de um complexo processo de negociação entre o senhorio e o inquilino (com prova por parte deste último do Rendimento Anual Bruto Corrigido “RABC” definido no Art.º 5º do D.L. 158/2006). Estes contratos tornam-se ridículos, um T6 em Lisboa pode ter uma renda de 100 euros. Assim, o Estado poupa na Segurança Social, através do vinculismo destes contratos, pois transfere para os senhorios o dever social de arranjar habitação para quem não tem posses, conforme se explicou no pretérito artigo “O Problema do arrendamento em Portugal”.