O Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado em 1979, é um dos pilares da Democracia. Uma das conquistas principais da criação de um Estado Social de modelo europeu.

O SNS foi criado com base no sistema inglês, modelo de Beverage, onde os impostos servem para financiar um sistema de saúde universal. Neste sistema a maioria dos hospitais são públicos, bem como a maioria dos profissionais são funcionários do Estado.

 

Este sistema é normalmente oposto ao sistema de Bismark, proveniente da Alemanha, em que a universalidade é financiada através de contribuições específicas para o sistema de proteção social. Os prestadores são privados e atuam numa lógica próxima do mercado.

Na prática têm-se detetado que sistemas como o português inevitavelmente causam listas de espera indesejáveis e que alguns sistemas de Bismark são ineficientes na cobertura de alguns trabalhadores mais pobres.

Com isso em mente, para melhorar o acesso, aumentar a qualidade da prestação de atos médicos e de alguma forma premiar e motivar o pessoal clínico no SNS, o Decreto-Lei 18/2017 permitiu que entidades públicas, dotadas de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial, se organizassem em Centros de Responsabilidade Integrada (CRI).

E o que são os CRI? São estruturas orgânicas de gestão intermédia. Visam potenciar os resultados da prestação de cuidados de saúde, melhorando a acessibilidade dos utentes e a qualidade dos serviços prestados, aumentando a produtividade dos recursos aplicados, contribuindo, para uma maior eficácia e eficiência. Para alcançar estes objetivos os CRI constituem-se através de formas de organização flexíveis direcionadas para dar respostas céleres e de qualidade às necessidades dos utentes.

Os parágrafos anteriores, retirados e adaptados do decreto-lei, contêm dois problemas substanciais, que são de natureza ideológica, e que de alguma maneira podem prejudicar os dois objetivos essenciais: o acesso a serviços de qualidade e a celeridade do tratamento.

O primeiro problema é o da natureza exclusivamente pública dos candidatos a CRI.

A marca ideológica do modelo público é clara. Impede que cooperativas formadas por grupos de médicos, ou mesmo instituições privadas, possam concorrer a prestar atos médicos desde que demonstrem uma qualidade acima da média. Se, por exemplo, um determinado hospital não tem capacidade para manter um bloco operatório aberto 12 ou mais horas por dia, esses espaços fecham. Não são maximizados os recursos ali gastos. Ceder a uma equipa clínica externa esses espaços, para aumentar o número de cirurgias feitas por esse hospital, permitiria maximizar o uso destes recursos.

Desperdiçamos recursos.

O segundo tema é o da celeridade, que acaba por desaguar na transparência e na (falta) de informação prestada ao utente.

Um utente que têm um diagnóstico de tratamento, ou cirurgia, acaba por estar “preso” ao hospital onde teve a consulta. O SNS não promove – nem sequer lhe agrada – a concorrência interna ou externa. Isso prejudica o utente, principalmente porque este entra para lista de espera sem conhecimento de que no concelho ao lado pode ter o mesmo tratamento na semana seguinte.

Fica no limbo.

Os Centros de Responsabilidade Integrada, se alterados, podiam ajudar a resolver estas limitações.

O que é preciso alterar?

Permitir que públicos e privados concorram à criação de CRI. Permitir que os CRI operem doentes de outros hospitais, em regime de igualdade com os doentes do hospital onde estão sediados. Criar um sistema de incentivos ligado a resultados de saúde dos doentes saídos após tratamento ou cirurgia.

Para criar um sistema de saúde forte que nos aproxime dos sistemas melhor classificados, como o neerlandês, necessitamos de diminuir o desperdício de recursos. Precisamos de evitar deixar os utentes no limbo por falta de informação, aumentar a concorrência entre hospitais do SNS, e permitir que recursos privados sejam usados para resolver problemas reais de pessoas reais.

Ninguém quer ouvir o seu médico dizer que esta semana começou a operar doentes diagnosticados há 12 meses.

 
Autores: Miguel Eça de Matos
Data: 2 de Agosto de 2022
Publicação: Observador
 
 
Artigo original em https://observador.pt/opiniao/concorrencia-e-transparencia-no-sns/