Em 2005, Medina Carreira afirmou na RTP1 – em debate com Basílio Horta –, que “a continuar pelo mesmo caminho” Portugal seria em 2020 “o país mais pobre da Europa”.

Quinze anos passados, Medina Carreira já não está entre nós, mas não errou por muito: em 2022, segundo dados do Eurostat, Portugal tem um dos PIBs per capita mais baixos da UE, apenas ainda à frente da Grécia e de um grupo de cinco países do leste europeu (Roménia, Letónia, Croácia, Eslováquia e Bulgária). Porém, a manterem-se nos próximos anos as trajectórias deste indicador nestes países e em Portugal, é previsível que – muito em breve – seja a Roménia o próximo país a ultrapassar-nos.

 

Ora, Medina Carreira não precisou de quaisquer dotes de visionário para fazer esta previsão. Usou dados oficiais, avaliou prospectivamente as políticas públicas em vigor e fez o seu diagnóstico e previsões. Infelizmente, a falência de 2011 confirmou o caminho erróneo da economia portuguesa e trouxe-nos também – mais uma vez – o diagnóstico da “doença” económica portuguesa. Hoje são muitos os que confirmam esse bem conhecido diagnóstico – que, no essencial, não mudou muito nos últimos anos –, mas sem a terapêutica adequada nunca haverá cura para esta “doença” no futuro, tal como não houve no passado.

Apenas para dar mais um exemplo – agora do presente – Nuno Palma tem hoje a mesma dificuldade em passar a sua mensagem, tal como aconteceu em 2005 com Medina Carreira. Este reputado professor da Universidade de Manchester foi no ano passado muito criticado por ter afirmado numa conferência que Portugal teve nos idos anos 60 do século XX – e, por conseguinte, em plena ditadura Salazarista – a maior taxa de crescimento económico dos últimos 70 anos. As críticas infundadas que então recebeu são a demonstração da incapacidade que o país tem para olhar para si próprio como realmente é, o que impede a aceitação do diagnóstico e a posterior implementação da terapêutica adequada à cura.

A factualidade da afirmação de Nuno Palma é, porém, inequívoca, como, de resto, uma publicação conjunta do INE e do Banco de Portugal veio a confirmar em Dezembro de 2021 (Séries Longas para a Economia Portuguesa 2020). Nesta publicação das autoridades estatísticas nacionais – em que são fornecidas bases de dados económicos desde meados do século XX – fica muito evidente o acerto e rigor, quer da afirmação de Nuno Palma, quer do crescimento anémico a que se referia Medina Carreira.

Nos gráficos abaixo, retirados da referida publicação, fica bem demonstrado, quer o crescimento sem par na década de 60 do século XX, quer a estagnação dos últimos 20 anos. E do lado demográfico as tendências não são mais favoráveis – a população não cresce há 40 anos e o envelhecimento populacional é hoje uma realidade incontornável, que coloca sob enorme pressão os nossos sistemas de proteção social (nomeadamente saúde, reformas e pensões e segurança social).

Ainda na mesma publicação do INE e do Banco de Portugal, é possível analisar mais em detalhe em dois gráficos adicionais, quer o ritmo de crescimento económico português, quer os respectivos factores de crescimento em cada momento histórico. Fica assim demonstrado, não apenas que a taxa média de crescimento económico na década de 60 do século XX – 4,7% – foi a maior dos últimos 70 anos em Portugal, mas também que a taxa média de crescimento económico nos primeiros 20 anos do século XXI – além de muito baixa (0,9%) – é menos de um terço da verificada nos últimos 20 anos do século XX (superior a 3%). O país está, pois, economicamente estagnado há 20 anos.

Mas a que se deve esta estagnação? Apesar de, conforme referido acima, o diagnóstico estar há muito feito, as autoridades estatísticas nacionais ajudam-nos – ainda na mesma publicação – a compreender o fenómeno. Basta olhar para o gráfico do painel esquerdo abaixo para constatar a existência de problemas graves ao nível da produtividade e do stock de capital; de tal forma assim é que há até momentos históricos em que o contributo destes dois factores para o crescimento do PIB chega a ser negativo.

E como resolver este problema de estagnação económica e recolocar o país no caminho da prosperidade?

Em primeiro lugar é preciso aceitar o diagnóstico para depois tratar da cura. Enquanto os portugueses continuarem em negação e se resignarem alegremente ao crescimento anémico dos últimos 20 anos não haverá governos reformistas em Portugal. E sem reformas profundas que incrementem a produtividade dos factores não teremos maiores taxas de crescimento económico, e, por conseguinte não veremos aumentar o “bolo” a distribuir. E distribuir riqueza sem a criar – o caminho seguido nos últimos 20 anos – corresponde a distribuir dívida (pública), o que já nos levou a uma falência económica (2011), da qual os portugueses têm (má) memória e que certamente não desejam que se repita.

De facto, o país precisa de reformas estruturais que promovam o crescimento económico e que direcionem o país para um caminho de prosperidade que os portugueses merecem e que tem estado ausente neste milénio.

 

É tempo de parar de negar as evidências. Temos actualmente uma geração de “millenials” que vive hoje num país mais pobre do que aquele em que nasceu. Se não quisermos voltar a lamentar-nos daqui a 20 anos da continuidade deste lento definhar do país temos que agir já. Devemos isso aos nossos filhos.

O autor deste texto escreve segundo a antiga ortografia.

Autores: Álvaro Matias
Data: 28 de Agosto de 2022
Publicação: Observador
 
 
Artigo original em https://observador.pt/opiniao/portugal-a-incapacidade-de-olhar-para-si-proprio/