É um lugar comum afirmar-se que Portugal precisa de mais habitação pública e que tem um stock de habitação pública aquém dos seus congéneres europeus. As forças políticas marxistas defendem mais habitação pública porque desprezam tudo o que esteja associado à propriedade privada. Outras forças políticas também consideram que os atuais ‘problemas de habitação’ se resolvem com uma intervenção significativa do Estado no mercado de habitação. E mesmo alguns sectores da sociedade mais liberais argumentam que o Estado, através da promoção de habitação pública, deve ser o contrapeso para uma liberalização do mercado de habitação, nomeadamente do mercado de arrendamento.
Mas será mesmo assim? Precisamos de mais habitação pública?
Este artigo tem como objetivo demonstrar que estamos perante uma meia falácia. Temos globalmente um stock razoável de habitação pública, sendo o maior problema a sua má gestão.
Vamos aos factos.
Portugal tem cerca de 120 mil fogos de habitação pública; Lisboa tem cerca de 27 mil. Considerando os cerca de 6 milhões de fogos de alojamento existentes em Portugal, dos quais 320 mil em Lisboa, temos um rácio de habitação pública de 2% para o país e 8% para Lisboa (na capital, se considerarmos as 242 mil casas de residência habitual, o rácio sobe para 11,2%).
Há vários países europeus com um rácio superior de “habitação de interesse social”, a qual pode ser de propriedade pública ou privada. Aliás, com exceção da Dinamarca e da Finlândia, que têm um parque de ‘habitação de interesse social’ de propriedade essencialmente pública, todos os países com um maior rácio, como os Países Baixos, Áustria, Reino Unido e França, têm uma significativa percentagem de propriedade privada na habitação de interesse social.
De salientar ainda que as dinâmicas da habitação são de longo prazo, sendo assim explicável que certos países apresentem rácios superiores; são os casos dos países ex-socialistas, dos paí¬ses que tiveram as suas cidades destruídas pela II Guerra Mundial, e que assentaram a sua reconstrução em apoios públicos, e ainda dos países com uma maior cultura de arrendamento habitacional.
Como atualmente há uma tendência de redução do investimento em stock de ‘habitação de interesse social’ (pública ou privada) nos países europeus, Portugal, ao querer aumentar esse stock, está claramente em contraciclo com um caminho liberalizador no mercado de habitação.
Embora as políticas públicas de habitação em Portugal tenham cerca de 100 anos, é importante enfatizar que o maior marco de investimento público aconteceu com as bonificações de juros no crédito à habitação, que entre 1987 e 2011 ascenderam a cerca de sete mil milhões de euros, valor que teria dado para construir cerca de 200 mil fogos de habitação a preços controlados, o que conduziria o país para o pódio dos países com mais habitação pública.
Outra forma de ver esta questão é analisarmos o investimento público em percentagem do PIB, em que Portugal tem um rácio em linha com a média europeia, mas acima dos Países Baixos, país este que é muitas vezes apontado, erroneamente, com um exemplo de forte investimento na habitação pública.
Em suma, não se pode sustentar que Portugal tenha um défice de investimento do Estado em habitação pública, pelo que dizer que devemos passar de um rácio de 2% para 5%, objetivo assumido pelo atual Governo, é desprovido de fundamentação. Quando em Lisboa temos um rácio de 8% (ou 11,2%), mais difícil é de se afirmar que os ‘problemas de habitação’ na cidade de Lisboa se devem à existência de um stock reduzido de habitação pública.
Autores: João Graça e João Cravo
Data: 12 de agosto de 2022
Publicação: Expresso
Artigo original em https://expresso.pt/opiniao/2022-08-11-Temos-falta-de-habitacao-publica–f0a87b92