A nossa realidade é muitas vezes identificada como a de um País de uma beleza natural inquestionável, pequeno em dimensão, mas de enorme diversidade, com séculos de história e tradições, que nos enche de orgulho por sermos portugueses.

Mas, como os dois lados de uma moeda, temos de um lado a realidade e do outro a ficção.

Convido-vos à seguinte reflexão, no formato de um confronto entre esses dois mundos – o real e o fictício – que por vezes se encontram.

Como todas as histórias, começa por: era uma vez…

… um País que se tornou uma referência a nível mundial pela sua segurança, qualidade de vida, geografia, gastronomia, cultura e história quase milenar. Hoje em dia, um refúgio para muitos e sede de investimentos para outros. O tal país que nos envaidece e orgulha. Até aqui, estamos todos de acordo.

Depois confrontamo-nos com a dura realidade que mais parece uma ficção.

  • Aeroportos sem condições para bem acolher todos os visitantes.
  • Sistema de saúde em ruptura.
  • Educação, suporte de um país e das suas futuras gerações, a necessitar de uma profunda reforma.
  • Funcionalismo público, onde a realidade kafkiana ultrapassa qualquer alucinação e urge acção imediata.
  • Uma dormência colectiva e uma passividade institucional, causadas por deficientes políticas públicas protagonizadas por governos sucessivos com as mesmas práticas de governabilidade, reféns de ideologias, clientelismos vários e com visões desfasadas das necessidades do país real.

Para além disso, estamos a assistir em Portugal a uma mudança de paradigma no mercado de trabalho sobre a qual – dadas as suas implicações sobre empregadores e empregados –, importa também reflectir.

Na era do pós-Covid assistimos a um novo olhar sobre os espaços de trabalho colaborativos e outras opções com que as empresas foram confrontadas, que alteraram os seus paradigmas, expondo uma realidade incontornável para a sobrevivência e manutenção de tantas delas, principalmente na área dos serviços.

O surgimento de novos métodos de trabalho, o repensar dos modelos de produtividade, a reflexão sobre se a semana de quatro dias será ou não eficiente perante o nosso atual tecido empresarial e a concomitante questão fundamental, sempre esquecida: teremos nós maturidade e condições para a sua aplicabilidade, fará parte da ficção ou de uma realidade futura?

Ainda outro problema crónico: a dificuldade em reter talento. O que está a ser feito pelas empresas para quebrar este ciclo? Contratar à concorrência com ofertas pouco realistas e não comportáveis a médio prazo?

Mais uma vez, a ficção a ultrapassar a realidade.

Talvez seja necessário ter uma visão mais abrangente e ir, por exemplo, à procura de talentos “séniores”, aqueles com mais de 45 anos que em Portugal já carregam o estigma da idade. Não se iludam, ele existe. Mudar mentalidades custa, e não há uma fórmula milagrosa. Esta deverá passar pelos decisores, pelos governos, mas principalmente pelos gestores das empresas, independentemente da sua dimensão. O Governo não tem, não deve, não pode manter a sua ânsia de regulamentar tudo e para tudo ter resposta, como tem sido, há décadas, a cultura dominante e, mutatis mutandis, alimentada pelas próprias máquinas dos partidos do sistema. Esta é a realidade do nosso país!

A maturidade de um país reflete-se na forma como trata os seus cidadãos.

Necessitamos de rever conceitos de eficiência, equidade e formas de não discriminação, independentemente do seu critério. Certamente iremos beneficiar como um todo, com uma sociedade próspera em pensamento e em acções, ao invés de uma sociedade cada vez mais conformada e dando mostras de preferir uma miséria que bem conhece a uma prosperidade que não consegue imaginar.

Vejam as boas práticas de outros países que acolhem de bom grado esses “séniores qualificados” que foram dispensados pelos seus países de origem e não apenas os jovens que tiveram de sair em busca de melhores condições. Cabe-nos a nós, cidadãos, mudar essa realidade com novas políticas ou, no limite, e sempre que possível, pelo simples ignorar da fúria reguladora destes governos macrocéfalos que julgam que tudo podem e sobre tudo devem intervir – tristes e ilusórios indivíduos, nascidos e criados num suposto reino das maravilhas que (não) é o país em que eu nasci. O país onde eu nasci necessita de ser reformado com coragem nas áreas que permitam melhorar o bem-estar dos seus cidadãos, o que inclui o social e o económico. No social, protegendo melhor quem realmente precisa, mas apenas enquanto precisa, e, no económico, fazendo as reformas necessárias para aumentar a produtividade do trabalho num país que tanto precisa de criar mais riqueza e, com isso, conseguir remunerar melhor as pessoas.

A cidadania não deverá ser apenas uma palavra, uma buzword, mas sim espelhar toda a força que a contém e que diz respeito a todos os sectores da sociedade.

A ética tem de fazer parte do discurso, quer dos decisores, quer dos cidadãos.

Há muito a fazer e cabe a cada um de nós participar nessa mudança, para que possamos enfrentar a realidade futura e libertarmo-nos da ficção e da dormência colectiva em que a sociedade portuguesa se encontra.

Portugal merece uma realidade melhor, para nós e para as gerações futuras. Se quisermos deixar um legado de riqueza e não de dívida aos nossos filhos, cabe a cada um de nós promover essa mudança!

No dia em que compreendermos que o(s) governo(s) não regem a nossa vida melhor que nós próprios, seremos verdadeiramente cidadãos e dignos dessa cidadania.


Artigo publicado no Observador