Junho foi um mês de greves. O cenário dos últimos tempos leva-nos a concluir que os sindicatos voltarão à carga até ao final do ano, com a discussão do Orçamento para 2023 e a inflação dos últimos meses. Apresentarão as habituais reinvidicações de aumento dos salários na função pública, progressão nas carreiras, horários e benefícios para os funcionários do Estado.
A posição dos sindicatos (com sucessivas greves) é legal? Sem dúvida: a nossa Constituição garante no seu artigo 57.º esse direito sem limites.
Mas será adequado? Deverão estes trabalhadores do sector público impor restrições na prestação de serviços do Estado numa altura em que a sociedade começa a sentir os verdadeiros efeitos económicos de dois anos de pandemia, da guerra na Ucrânia e da consequente inflação?
A resposta a esta questão não é simples. Percebemos a preocupação com a perda de rendimentos – é transversal a toda a economia.
Mas precisamos de ter uma visão histórica. Nas últimas décadas, a greve tem sido sistematicamente usada pelos trabalhadores da esfera pública. Olhando para os dados oficiais, verificamos que entre Novembro de 2012 e Fevereiro de 2019 tivemos 11 greves que afetaram a Função Pública em sentido geral – e isto sem contar com greves sectoriais, como transportes, professores, saúde.
Este cenário, contudo, adivinha-se que irá piorar, com o fim da geringonça e a propósito do novo Orçamento de Estado. Podemos esperar uma nova leva de greves e manifestações, tal como enunciado por Isabel Camarinha quando afirmou em Julho que “Enquanto não houver respostas, a luta vai continuar”.
O cidadão comum pode, assim, esperar por mais greves. Conformar-se e adaptar a sua vida a essa situação – vendo processos atrasar, consultas a serem adiadas, ou tendo de ajustar a sua vida laboral porque os transportes foram suprimidos ou as escolas fecham e não têm onde deixar os filhos.
Muitos dirão que estas são lamúrias de quem não percebe a relevância dos ‘direitos dos trabalhadores’ ou ‘as conquistas de Abril’. A estes chavões contraponho uma leitura mais pragmática e progressista.
Para começar, estamos a falar de funções que se convencionou qualificar de interesse público. Ora, o Estado não existe para se auto satisfazer, mas sim para cumprir funções de interesse geral. Liberais, social-democratas, democratas cristãos e outros moderados, todos reconhecem que o Estado deve servir as suas populações, em maior ou menor grau. Só estados totalitários defendem que as populações alimentem a máquina estatal. Este circo não defende Abril, apenas a agenda política de certos quadrantes.
Existem neste momento privilégios para os trabalhadores do Estado. Estes trabalham em média menos – 35 horas – e são promovidos por antiguidade, visto que os processos de avaliação são inoperantes – levando a situações de grande injustiça e à desmotivação das equipas. Por sua vez, os privados estão sujeitos a despedimentos – de curto, médio ou longo prazo – e também a realidades macroeconómicas que lhes escapam.
E – o mais importante – a entidade patronal é o Governo, que tem uma legitimidade democrática para negociar e impor condições aos seus funcionários. Não votei nos partidos que apoiaram os últimos governos, mas reconheço-lhes uma autoridade para decidir as variações salariais da função pública muito maior do que à líder da CGTP, eleita em 2020 com 115 votos favoráveis. É caso para dizer que, se não gostam das posições do Governo, então votem de forma diferente.
É por isso de concluir que estas greves são fruto de uma prepotência abusiva. Mais, são a sua banalização, visto que a bomba atómica da ‘luta’ laboral é utilizada como pré-requisito para iniciar qualquer negociação. É, perdoem-me, estúpido!
Os sindicatos têm levado a negociação coletiva para a letargia – porque, se estamos todos mais ou menos inoculados para os seus efeitos, as mesmas perdem impacto.
Os trabalhadores devem repensar as suas representações em comissões de trabalhadores e sindicatos. Exigir-lhes que, mais do que política nas ruas, se sentem à mesa com as entidades patronais e o Governo e apresentem propostas sérias, realistas e exequíveis.
Estas são preocupações a ter, nomeadamente numa legislatura de maioria absoluta, onde todos devem ter um papel ativo e vigilante, de forma a denunciar eventuais abusos e sem esquecer o panorama económico doméstico e internacional.
Afinal, como sociedade, ganhamos mais com políticas laborais racionais e consensuais do que com a milionésima greve geral dos funcionários públicos. Por aumentos de “cinquenta cêntimos” que acabam por ser engolidos pelo agravamento da carga fiscal em percentagens sistematicamente crescentes – nomeadamente no IVA e noutros impostos indiretos – que a todos oneram e sem um retorno qualitativo nos serviços.