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Transparência

Opinião de Manuel J. Guerreiro no Jornal O DIABO
Esta semana proponho uma pequena análise ao tema da transparência na acção política, que considero absolutamente fundamental para a qualidade das democracias liberais, nesta era do digital e da informação instantânea. Com efeito, a transparência é um daqueles conceitos que podem ser vistos de prismas diversos. Seja de uma forma mais aberta ou genérica, seja mais fechada ou concreta, isto é, aplicada a uma matéria determinada. Não querendo fazer aqui uma espécie de ensaio de dissertação de mestrado, tentarei abordar conceptualmente a transparência em duas áreas distintas da acção política. Por um lado, uma de cariz mais abrangente como é o caso da comunicação política (aqui tratada ao nível da administração central), e uma outra mais específica como é o caso — entre muitíssimos outros — da contratação pública (aqui exemplificada ao nível da administração local). Começando pelo significado básico: diz-se transparente aquilo que não é opaco, que, mais do que translúcido, deixa passar a luz e ver nitidamente o que está por trás; característica de uma coisa que permite visualmente alcançar, observar, verificar, identificar o que está para lá dessa mesma coisa; limpidez; qualidade de quem transmite a verdade sem a adulterar, de quem nada tem a esconder; carácter do que não é fraudulento. 1. A transparência na comunicação política manifesta-se desde logo na forma como são ditas as coisas, tendo em vista a respectiva interpretação expectável, i.e., a clareza da linguagem usada pelo agente político, enquanto emissor, que permita ao receptor (público em geral) compreender com facilidade o que está a ser transmitido. A decisão política é por excelência o momento da verificação da concretização daquilo que foi apresentado, proposto ou prometido, sendo a respectiva execução política a sua confirmação. Dito de outra maneira, para se confirmar a existência de transparência na comunicação política, as inerentes decisão e execução devem ser realizadas em total consonância com o que foi transmitido. Caso contrário, se a decisão e a execução políticas divergem em relação ao que foi apresentado, concluir-se-á pela inexistência de transparência nessa mesma comunicação. Sendo a decisão política o momento da verdade em que se afere a transparência da comunicação proferida, e a correspondente execução política o momento da comprovação, poderá, contudo, não ser necessário esperar por esses momentos para se verificar e confirmar a transparência de determinada comunicação política. Exemplo clássico são as propostas dos partidos, vulgarmente denominadas de promessas eleitorais, comunicadas em campanha e as posteriores decisões tomadas pelo respectivo órgão eleito, assumidas por quem vence o sufrágio e que, frequentemente, acabam por divergir, por vezes não raras, opondo-se escandalosamente, contribuindo para o progressivo descrédito e consolidação da desconfiança dos eleitores nos seus eleitos. A este respeito veja-se a recente situação relativa à descida de impostos, em concreto do IRS, cuja comunicação feita durante a campanha eleitoral pela Aliança Democrática (AD) fez acreditar coisa substancialmente diferente, in casu, superiormente incomparável àquela que o agora Executivo de Luís Montenegro decidiu e fez saber aquando da apresentação do seu programa de Governo na Assembleia da República. Ou seja, a medida decidida tem uma dimensão real que é muito inferior à dimensão que a medida comunicada ostentava. Porquanto, em relação à redução do IRS, é bastante evidente a ambiguidade da comunicação política proferida pela AD durante a campanha eleitoral, pelo que essa não foi uma comunicação transparente. 2. Na contratação pública, o Código dos Contratos Públicos prevê vários tipos de procedimentos para a formação de contratos que as entidades públicas adjudicantes têm ao seu dispor, devendo escolher aquele que, pelas suas características, melhor se adequa à situação concreta que determinou a respectiva necessidade de contratar. De entre esses procedimentos existem uns que, pela sua natureza, oferecem maiores garantias de controlo e concorrência — por necessariamente envolverem valores mais elevados —, como é o caso do concurso público. Outros, porém, são procedimentos mais leves do ponto de vista burocrático, envolvendo valores mais reduzidos e visando garantir maior rapidez na tramitação que, convenientemente, responda a situações prementes ou mesmo urgentes, como são os casos do ajuste directo e da consulta prévia. Independentemente do tipo de procedimento e respectiva escolha, todas as entidades públicas com competência material para contratar devem pautar a sua conduta, enquanto contraentes públicos, no escrupuloso cumprimento da lei, em respeito pelos princípios gerais da actividade administrativa e em conformidade com os padrões éticos — onde a transparência se insere —, definidos pelas instituições democráticas, aos quais se vinculam. Pegando no exemplo da consulta prévia — procedimento em que a entidade pública adjudicante convida directamente pelo menos três entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar os aspectos da execução do contrato a celebrar —, deve o contrato celebrado ser publicitado pela entidade adjudicante no “portal BASE” (relativo aos contratos públicos), indicando expressamente todas as informações previstas por cada um dos campos de preenchimento, constantes do modelo da respectiva ficha, nos termos definidos pela Portaria n.º 318-B/2023, de 25 de Outubro, que procede à regulação do funcionamento e gestão do referido portal. Um desses campos de preenchimento da ficha que regista, no portal Base, a publicitação da celebração de quaisquer contratos na sequência de consulta prévia, é relativo à identificação das entidades consultadas pelo adjudicante no âmbito daquele procedimento. Pois bem, ficámos a saber pelos jornais que essa publicitação — condição de eficácia do respectivo contrato público — é realizada de formas diferentes, consoante as entidades adjudicantes. Nomeadamente no que ao preenchimento da ficha informativa diz respeito. É o caso da Gebalis, empresa municipal que gere a habitação pública de Lisboa, ao ter contratado, através do procedimento de consulta prévia, a aquisição de serviços jurídicos para cobrança de dívida a uma sociedade de advogados — curiosamente do actual Presidente da Assembleia da República José Pedro Aguiar-Branco —, não indicou as outras entidades por si consultadas no procedimento. Informação que insiste em não divulgar, mesmo perante a crescente pressão que vem sendo exercida nesse sentido. Esta irregularidade inconsequente, mais do que pouco transparente, é opaca e constitui fonte de suspeita de favorecimento. Até prova em contrário este contrato resulta de uma encenação procedimental. É um ajuste directo travestido de consulta prévia.
Transparência
Manuel J. Guerreiro 17 de abril de 2024
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