Ponto prévio: sendo eu um liberal democrata convicto, mandam as regras da boa educação, em cumprimento do espírito genuinamente democrático, reconhecer os resultados eleitorais de forma clara e inequívoca. Assim, nestas eleições legislativas antecipadas do passado domingo, dia 10 de Março de 2024, tivemos partidos e coligações vencedores e tivemos partidos e coligações vencidos. Outros, ainda, que não foram nem uma coisa nem outra, tendo até havido um erro ou engano monumental.
Do lado dos vencedores contabilizam-se três. Dois à direita: Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM) e Chega, e um à esquerda: o Livre. Do lado dos vencidos contam-se exclusivamente dois à esquerda: o Partido Socialista e a Coligação Democrática Unitária (PCP e PEV). Já entre os outros partidos que não foram vencedores nem saíram vencidos, isto é, ficaram exactamente com o mesmo número de deputados que dispunham na anterior legislatura, muito embora com mais votos recebidos dos eleitores, enumeram-se três: a Iniciativa Liberal, o PAN e o Bloco de Esquerda. E, por último — pese embora sem ter conseguido eleger nenhum deputado à Assembleia da República — sobressalta o estranho caso do ADN e os seus 100 mil votos depositados nas urnas por engano ou confusão dos eleitores, o que, por si só, tragicamente impressiona e demonstra o verdadeiro estado da arte da nossa democracia representativa e da inteligência esclarecida dos cidadãos eleitores.
Vencedor nesta eleição é também a participação que derrotou a abstenção, com valores francamente positivos que já não víamos em Portugal desde 2009.
Derrotado, todavia, continua a ser o sistema eleitoral que terá deitado para o caixote do lixo muitos mais votos do que os quase 800 mil das últimas eleições de 2022. Esperamos ainda por essa conta final.
Não obstante, sem rodeios de qualquer espécie, de entre todos, há um insofismável vencedor, que pela dimensão da sua respectiva vitória, ao ter conseguido quadruplicar o seu grupo parlamentar e obter um milhão e cem mil votos dos eleitores portugueses, evidentemente, é o Chega. E, por oposição, há também um indiscutível derrotado, que pelo mesmo critério usado “in casu” a dimensão da sua expressiva derrota, viu desaparecer mais de meio milhão de votos e um terço do seu grupo parlamentar actual, obviamente, é o Partido Socialista.
Ironicamente o maior vencedor e o maior derrotado deste sufrágio eleitoral têm em comum o facto de se terem alimentado mutuamente ao longo dos últimos 5 anos e agora terminarem juntos — não se sabendo apenas por quanto tempo que durará a próxima legislatura — na oposição ao novo Executivo minoritário da AD, uma vez que muito dificilmente Luís Montenegro fará um acordo de Governo com o Chega de André Ventura.
Assim, o povo chamado a decidir foi claro e escolheu uma mudança face ao que tínhamos em vigor há 8 anos consecutivos.
Tal mudança, porém, de modo a que pudesse ser concretizada com condições efectivas e duradouras para uma legislatura inteira, teria de ser uma mudança sólida, i.e., suportada por uma maioria absoluta de deputados na Assembleia da República que se entendessem e não desconfiassem uns dos outros e, por maioria de razão, muito menos ainda maltratando-se publicamente, não raras vezes, de forma violenta como pudemos assistir ao longo de todo o período eleitoral. Designadamente com impropérios e ofensas gratuitas provenientes do lado de quem — pondo-se agora em bicos de pés —, destrói quaisquer hipóteses de acordo parlamentar que “a priori” sustente o Governo que sair desta nova legislatura. Isto além do radicalismo das posições ideológicas de fundo, assentes no ódio, na segregação social, na justicialização da política e na politização da justiça, que teimam em não querer abrandar nem ceder face a uma moderação minimamente decente que pudesse permitir vislumbrar uma qualquer luz ao fundo desse túnel imensamente subterrâneo.
Com efeito, essa maioria não existe porque AD e IL não a garantiram pelos votos respectivamente obtidos dos eleitores portugueses, tendo, de resto, ficado muitíssimo aquém dos 116 deputados para tanto necessários. E, como atrás se disse, porque apesar de o Chega ter conseguido entre 48 a 50 deputados (na medida em que ainda faltam apurar os 4 deputados dos círculos da emigração), a coligação liderada por Luís Montenegro não se irá juntar ao partido de André Ventura no Parlamento e, consequentemente, no Governo.
Resta, pois, esperar pelo que farão então os dois mútuos responsáveis políticos pela artificial bipolarização que durante uma mão cheia de anos andaram a ensaiar no país.
Vão PS e Chega juntinhos derrubar o Governo logo no início do mandato? Se sim, desde já se concede que perante tal cenário irresponsável o Chega não seria demasiadamente penalizado em eleições seguintes, mas o PS seria provavelmente reduzido a metade daquilo que recebeu no domingo passado. Por conseguinte, levando o partido fundado por Mário Soares à mais pura insignificância política, pelo que tenho dúvidas que Pedro Nuno Santos aposte em algo tão arriscado e perigoso para a sua própria subsistência política à frente dos destinos do PS.
Aliás, basta tão somente estar atento ao que, nos últimos dias, têm dito vários responsáveis socialistas. A começar pelos dois principais culpados por tal bipolarização artificial construída, curiosamente os dois últimos Presidentes da Assembleia da República: Augusto Santos Silva e Eduardo Ferro Rodrigues, depois do que andaram a fazer, agora defendem — com a maior das caras de pau — uma aproximação do PS à AD, o que é algo absolutamente extraordinário!
Pois bem, perante tudo isto, e sem esquecer a indecifrável motivação daquela comunicação ao país de sua excelência o Presidente da República, cujas palavras proferidas 48 horas antes do acto eleitoral certamente não terá sido indiferente aos resultados dele decorrentes, deverá Luís Montenegro, líder do PSD, ser indigitado Primeiro-Ministro e obviamente formar o próximo Governo Constitucional que será da AD e contará na Assembleia da República com uma maioria relativa dos seus respectivos deputados eleitos aos quais se somam os 8 deputados da Iniciativa Liberal que, no essencial, deverá apoiar o Governo, apoiando-o tanto mais quanto conseguindo fazer passar as suas propostas e políticas marcadamente liberais e assim colocando, exclusivamente, no Chega e no PS, acrescidos da restante esquerda marxista, o ónus da decisão da duração efectiva que este novo Executivo venha a ter e, consequentemente, a própria legislatura.
Cada um que assuma as suas responsabilidades. Ao Governo caberá a tarefa de mostrar ao país ser capaz de governar com inteligência, estratégica e emocional, levando os cidadãos eleitores a percepcionar essas qualidades, fazendo um juízo positivo da sua actuação.
E depois é só esperar…
Publicado no Jornal O DIABO