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Revolucionando a caução no arrendamento – O seguro de Renda

Opinião de Miguel Vargas no Observador

Com o discurso sobre imobiliário saturado, espero desenjoar um pouco e trazer ao leitor um conceito não utilizado em Portugal e que pode facilitar – acredito eu em muito – a vida dos portugueses.

Todos os que já arrendaram um imóvel sabem que têm de entregar ao senhorio um montante como forma de garantia, a caução. O senhorio reterá este valor para fazer frente a danos que o inquilino cause no imóvel. No final do contracto, caso existam danos no imóvel, o valor das reparações será descontado na caução a devolver ao inquilino. As obras e reparações substancialmente mais dispendiosas, bem como a insegurança em caso de interrupção de pagamento, só levam ao aumento do valor das cauções.

Apontar o dedo às políticas seguidas nas ultimas duas décadas, à geringonça que ajudou a destruir o mercado de arrendamento ou dizer que os portugueses deviam era ganhar mais é tudo verdade, concordo, mas não é solução. Chorar sobre leite derramado de nada adianta, nem nos vai pôr mais dinheiro na conta.

A realidade, quer gostemos ou não, prevalece sempre e a realidade no mercado de arrendamento é que um dos fatores que dificultam o acesso ao arrendamento é o valor da caução.

É mais ou menos por esta altura que partidos como o PS, BE ou PCP dizem: “que se fixem limites às cauções!”. Um dos problemas dos limites às cauções é que, quando não pagam as reparações, o arrendamento passa a ter um risco não suportável e ou se aumenta a renda, ou o imóvel nem chega a entrar no mercado. Casas fechadas não resolvem problemas.

A substituição da caução por um seguro de renda assenta num modelo em que os inquilinos não despendem o montante da caução, mas em que se contratualiza um seguro de renda. Neste modelo, e na eventualidade de danos no apartamento, ou de o inquilino incumprir o contrato de arrendamento, o senhorio está protegido e será o inquilino a fazer contas com a seguradora. Isto permite ao inquilino arrendar um imóvel com um investimento à cabeça menor, enquanto lhe imprime responsabilidade sobre a propriedade do senhorio. Só inquilinos de má-fé, olharão para esta solução como problemática.

A título de exemplo, temos o ZeroDeposit no Reino Unido (RU), em que o inquilino tem a possibilidade de pagar uma taxa não recuperável (equivalente apenas a uma semana de renda) em vez de uma caução recuperável equivalente a vários meses. A seguradora garante o equivalente a seis rendas.

O DepositFreeRenting é outro sistema anglo-saxónico em que a empresa providencia seguro ao senhorio para danos no imóvel ou rendas não pagas, em troca de uma taxa mensal, não recuperável. Igualmente no RU existe o Flatfair, em que os inquilinos subscrevem uma filiação em vez de uma caução.

Na Suíça, existe o SwissCaution em que a empresa adianta ao senhorio a caução e o inquilino paga uma taxa anual com base numa percentagem da caução. Na Holanda existe o Huurcheck, à semelhança do Dexi na Suécia, em que o inquilino paga uma taxa única equivalente a uma percentagem da renda mensal.

A Irlanda tem o Deposify que oferece um sistema parecido aos congéneres Holandês e Sueco, mas que também acrescenta o serviço de mediação de disputas na sua plataforma online.

E Portugal o que tem? Nada. 

Como tudo na vida, todas as alternativas têm vantagens e desvantagens, vamos a elas:

Vantagens para inquilinos

  • Flexibilidade financeira. Estas alternativas possibilitam alugar um apartamento sem necessidade de despender, à cabeça, uma grande quantidade de dinheiro, tornando o arrendamento mais acessível.
  • Poupança imediata. A substituição de uma grande caução por pequenas tranches canaliza o resto do dinheiro para despesas familiares mais importantes ou permite o seu investimento noutra forma de retorno.
  • Deixa de ser necessário ter fiador/avalista.
  • A capacidade de pagamento da caução deixa de ser um factor de exclusão no arrendamento. 

Desvantagens para inquilinos

  • De facto, algumas taxas não são recuperáveis e no longo prazo o inquilino pode vir a pagar mais. Enquanto a caução poderia ser totalmente recuperável caso não existissem danos no imóvel, neste caso há sempre alguma perda.
  • Ter de lidar com uma seguradora e eventuais não coberturas. 

Vantagens para os senhorios

  • Redução do risco do aluguer. Ao ter a sua propriedade segura por uma seguradora, o senhorio ganha confiança no arrendamento e põe o imóvel no mercado.
  • Processo simplificado. Não é necessário estar a reter dinheiro dos inquilinos ou fazer devoluções.
  • Maior número de inquilinos por onde escolher, pela diminuição de factores de exclusão. 

Desvantagens para senhorios

  • Alguns custos também para senhorios, aquando da abertura de contractos.
  • Limitações nas coberturas dos seguros
  • Resolução de disputas com os inquilinos passam a ter também de ser feitas com a seguradora o que pode demorar mais tempo. 

É absolutamente fundamental entender que este sistema não invalida que o inquilino continue a pagar a caução por inteiro, se assim for a sua vontade. Esta é uma opção, não uma substituição… e ter opções é sempre bom.

É urgente reduzir o fardo do peso financeiro que a caução tem nas famílias portuguesas. A caução não deve ser objecto de exclusão social e de dificuldade no acesso à habitação. Embora seja expectável alguma resistência inicial a taxas não reembolsáveis, no final do dia, acredito que a qualidade de vida dos portugueses melhoraria.

Mesmo sabendo que o fundamental é construir mais e melhor, abraçar novos modelos e alternativas, pode ajudar a desbloquear a situação, melhorando a flexibilidade financeira dos inquilinos, reduzindo o risco dos senhorios e simplificando os processos de arrendamento.

Uma última consideração é o cenário regulatório, além do que já todos sabemos ser necessário. A introdução de novos modelos exige apoio legislativo e regulamentações sectoriais para garantir transparência e proteção ao consumidor.

Publicado no Observador

Revolucionando a caução no arrendamento – O seguro de Renda
Miguel Vargas 23 de maio de 2024
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