Nas últimas semanas fomos confrontados com o rescaldo das eleições argentinas, em que foi eleito como presidente o autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei, que muitos também apelidam de ultraliberal.
Naturalmente, a internet, nas palavras de personalidades como Daniel Oliveira apressou-se a fazer comparações com a Iniciativa Liberal (IL) em Portugal. Daniel Oliveira está certíssimo quando aponta alguns liberais que aplaudiram a vitória de Milei. Estas generalizações de Daniel não são, porém, representativas do pensamento do partido e não são mais do que populismo, o mesmo populismo que critica. O mesmo, seria dizer que, por Ricardo Robles ser um especulador imobiliário, o Bloco de Esquerda de Daniel Oliveira defende a mesma especulação. Não acredito que o façam.
Agora que tirámos esta ideia simplória da equação, talvez possamos começar uma discussão mais interessante.
Habituei-me na minha vida adulta a uma alternância governativa entre PS/PSD e considero curioso o estado a que chegámos em 2023. Temos sete partidos na Assembleia mas limitamo-nos a discutir entre esquerda e direita, qual período da Revolução Francesa.
O ego e a ambição de António Costa instauraram o absurdo e o centro parece ter-se esvaziado, com o populismo a entrar em força na nossa vida política. Aproximamo-nos hoje da situação espanhola, em que se levantam muros e onde o centro político é esmagado pela intolerância de ambos os lados. Mas existirá alternativa política que estimule o progresso neste país? Sim. Existe e é liberal.
O Liberalismo assenta na junção da liberdade económica e da liberdade social.
Ao defender a liberdade económica, estamos a defender, por definição, a diminuição do peso do Estado e dos impostos na sociedade. Mais dinheiro no bolso para poder empreender e criar riqueza. Menos burocracia para o poder fazer de fora mais eficiente. É fundamental restaurar o elevador social para que os portugueses possam subir na vida através do seu trabalho pois, só gerando riqueza, podemos almejar reparti-la diminuindo a pobreza.
Os liberais não são anti-Estado, mas pela eficiência do mesmo. Não são anti-segurança social mas a favor da sua otimização.
O Liberalismo também acredita que qualquer ser humano, enquanto ser individual, deve ter a liberdade para ser exatamente quem é. Defendemos uma sociedade livre sem discriminação racial, social ou sexual. Se neste ponto somos acusados de partilhar a visão com a esquerda por não sermos homofóbicos, racistas ou xenófobos, então diria que me enche de orgulho ser liberal.
No mundo real, ninguém é dono da verdade e a aceitação e acolhimento de ideias provenientes de vários quadrantes é fundamental para a coerência e progresso da sociedade.
Escolher a liberdade social defendida pelo Bloco de Esquerda e pelo Livre ou o ambientalismo defendido pelo PAN, mas sem a pobreza e miséria características do comunismo que nos querem impor. Escolher a liberalização da economia defendida por parte do PSD mas sem o medo de arriscar e a estatização. Escolher a política europeísta defendida desde sempre pelo PS, mas sem a corrupção, estagnação e os “jobs for the boys”. Escolher a vontade de mudança do Chega, mas sem a intolerância, o ódio, o populismo, o racismo ou a xenofobia.
Tal como um relógio parado acerta nas horas duas vezes por dia, também os outros partidos o fazem e não devemos ter receio de o dizer. A virtude, sempre esteve ao centro e o centro, esse, é liberal.
O pensamento de pessoas como Daniel Oliveira é, ironicamente, puramente totalitário. Diz defender a liberdade mas a sua mente só tem dois formatos: proibir ou permitir. Este é o único exercício que consegue fazer e o que está certo é apenas porque a ele, lhe parece melhor.
O facto de poucas pessoas terem tempo ou interesse em ler os programas de governo ajuda a que se ignorem as medidas draconianas e antidemocráticas que a extrema esquerda tem escrita nos seus programas e que Daniel aplaude alegremente.
A democracia nem sempre gera tolerância, quando um grupo maioritário usa o seu poder para discriminar minorias. O Liberalismo não existe para santificar a opinião da maioria mas sim para limitar os danos que um grupo possa fazer ao outro. Como tal, é indissociável do estado de direito, direitos das minorias e instituições civis robustas.
O maior problema, para os partidos do sistema é que ler, liberta. E este paradoxo da literacia “a mais” conduz a que, em 2023, os jovens tenham deixado de ser obedientes. O desconforto, a crítica e a contradição da autoridade imposta, conduz a novas ideias e a novas competências. Conduz a melhores empregos, mais prosperidade e mais independência. O que é isto, senão Liberalismo?
Os jovens descobriram que não precisam de ser economicamente miseráveis para defender politicas sociais inclusivas e humanistas e isso põe em causa todo o projeto socialista e comunista que Daniel defende. Um projeto que assenta na manutenção de uma classe política privilegiada onde Daniel Oliveira se inclui e onde a frase de Orwell ainda se aplica aos dias de hoje: “todos os porcos são iguais, mas há alguns mais iguais que outros”.
Quando compara a IL a Javier Milei, o que Daniel Oliveira não diz é que a IL não é um partido libertário incoerente de apoiantes do Trump Argentino, onde estão dois ou três liberais com coração. O que a IL é, é um partido de pessoas com coração, de várias correntes liberais e que defendem propostas reformistas, moderadas e de verdadeiro progresso, onde militam, em pequena minoria, conservadores e libertários.
Um partido de pessoas que tiram tempo das suas famílias para contribuir para o bem comum, aproveitando aquilo que acreditam ser o melhor da esquerda e o melhor da direita. É a coerência e o humanismo. É o centro. E esse? É liberal.
Publicado no NOVO Semanário