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Os arautos da derrota e os simpatizantes do Pacto de Munique com Hitler em 1938

Opinião de Artur País no Observador
Concretizar um corte dos apoios seria, na prática, avalizar as anexações russas conseguidas nos últimos anos, dando tempo à Rússia para consolidar essas conquistas, corrigir erros e rearmar-se de novo A fadiga da guerra na Ucrânia está a levar ao aparecimento dos que advogam a capitulação das democracias ocidentais perante a anexação por parte da Rússia de partes daquele país. Trata-se de pessoas e analistas influenciados pelas teses de Putin sobre a soberania limitada dos vizinhos que não se subordinam aos interesses estratégicos daquela grande potência. Procura-se também recuperar uma fraseologia pretensamente pacifista que no passado teve como objetivo principal o desarmamento unilateral do Ocidente Democrático face a uma União Soviética cada vez mais militarizada, sobretudo em termos nucleares. A “Operação Militar Especial” foi encorajada pelas reações retóricas e bastante moderadas do Ocidente face à invasão da Geórgia, ocupação duma faixa da Moldova, rearmamento e nuclearização do enclave de Kaliningrado, satelização da Bielorrússia, dominação da Arménia, feroz repressão da Chechénia e outras movimentações militares e políticas no Médio-Oriente e em África. Na altura, a preocupação principal de vários países europeus foi assegurar um ambiente favorável às suas exportações para os promissores mercados de leste e conseguir energia barata para as suas economias. A resultante impunidade “de facto” deu ao Kremlin carta-branca para forçar a instalação dum regime ucraniano dócil, criando uma alegada faixa de proteção alargada, não se sabendo até onde nem quando. O ex-presidente Medvedev‎, que normalmente exprime o que Putin não diz em voz alta, falou “dos Urais a Lisboa”. Para os derrotistas de boa-fé talvez fosse útil reverem as circunstâncias do Pacto de Munique, assinado por Hitler em 1938, pelo qual Chamberlain e outros líderes ocidentais procuraram satisfazer as exigências de Hitler, não evitando o começo da 2ª Guerra Mundial no ano seguinte. Não se trata da defesa dum regime ucraniano com muitas e graves falhas, com pouca transparência, corrupção e até ideias de cariz nazi, aliás como na Rússia. Apenas se pretende apoiar a luta contra uma invasão unilateral e não provocada, levada a cabo por uma potência hegemónica, violando a soberania legitimada e reconhecida internacionalmente. Não se pretende o esmagamento da Rússia, mas apenas a retirada dos territórios ocupados. Apesar de não terem os seus filhos a morrer no campo de batalha, as democracias ocidentais estão a ficar crescentemente preocupadas com as consequências económico-sociais da guerra. O pró-sovietismo e agora o “pró-russionismo” alimentam-se de um antiamericanismo primário e latente, baseado nas posições estadunidenses, frequentemente egoístas, que privilegiam prioritariamente os seus interesses políticos, económicos e militares. Mas a inviolabilidade das fronteiras reconhecidas pelas Nações Unidas é um objetivo compartilhado pelas democracias de ambos os lados do Atlântico, tendo até levado à rápida integração na NATO de países que lhe eram tradicionalmente avessos e defensores de uma neutralidade ativa. No passado tive muitas dúvidas sobre esta aliança, mas presentemente sinto-me muito mais confortável e seguro por Portugal a integrar e por verificar que não se trata dum “cadáver adiado“. Anos de desinvestimento militar e tentativas frustradas para constituir um corpo militar autónomo no âmbito da Comunidade Europeia levaram a um cenário semelhante ao da 1ª e 2ª Guerras mundiais, onde a intervenção norte-americana foi decisiva para a derrota do imperialismo germânico e do nazi-fascismo. A propaganda russa, para além da contrainformação, emite sibilinos avisos de holocausto nuclear, procurando assustar com o uso do “botão vermelho”. No entanto é altamente improvável que o Kremlin, a nomenclatura, os militares, os oligarcas e a classe dirigente aceitem “jogar à roleta russa” com as suas próprias vidas. Agora que a Rússia está a sentir o aumento das despesas militares e o peso crescente das sanções ocidentais, a ameaça de cortar o apoio à Ucrânia por parte de alguns países europeus e do Congresso dos EUA é preocupante. É preciso pressionar o regime ucraniano para ser mais transparente e prestar mais contas sobre os apoios recebidos, mas concretizar um hipotético corte dos apoios seria, na prática, avalizar as anexações territoriais russas conseguidas nos últimos anos, dando tempo à Rússia para consolidar essas conquistas, corrigir erros e rearmar-se de novo. Ao ser-lhe vedado o acesso aos Mares de Azof e Negro, a Ucrânia ficaria economicamente debilitada e à mercê dos seus vizinhos, o que levaria a uma independência muito fictícia e instável. A Europa democrático-liberal está agora a pagar a sua indiferença perante as iniciativas político-militares de Putin, na sua vizinhança, no Médio-Oriente, em África e noutros lugares. A Moldova poderia ser o próximo objetivo russo, visto já dominar a Transnístria, onde possui enormes depósitos de armamento. Outro objetivo poderia ser a consolidação da ocupação da Abecásia, onde os russos já estão a construir uma base militar, e a subordinação do regime georgiano. Poderia também olhar para os Países Bálticos, aguardando uma oportunidade de intervir. Se a anexação fosse consumada, a chefia político-militar chinesa, que tem assistido atentamente aos acontecimentos, também se poderia sentir encorajada a invadir Taiwan e a expandir o seu poderio militar e económico no Pacífico e noutras paragens. A luta contra a invasão vai ser longa, difícil e dispendiosa, mas existe o perigo de um regime ditatorial, retrógrado e iliberal contagiar uma Europa fragilizada por um populismo crescente. Seria a destruição das democracias ocidentais em cuja liberdade gostamos de viver.

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Os arautos da derrota e os simpatizantes do Pacto de Munique com Hitler em 1938
Artur Pais 24 de novembro de 2023
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