Completaram-se, nesta quinta-feira, 50 anos sobre o bem-sucedido golpe militar, liderado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que pôs fim à ditadura que durante 48 anos caracterizou o regime político da II República, inicialmente com uma matriz militar a que se seguiu, com a entrada em vigor da Constituição de 1933, o período historicamente conhecido por Estado Novo.
Este movimento militar composto maioritariamente por capitães, que tinham participado na guerra colonial, apoiados por um grupo de oficiais milicianos, emergiu em 1973 com um objectivo estritamente reivindicativo e corporativista. Designadamente, em virtude dessa mesma longa e interminável guerra que o país vivia desde 1961, nas então denominadas províncias ultramarinas, mantidas sob administração portuguesa como parte integral de Portugal. Situação que contava com uma crescente objecção internacional por se mostrar contrária ao processo de descolonização, legitimado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e intensificado na década de 1950, com a independência de vários territórios, maioritariamente, no continente africano — antigas colónias de outros países europeus —, tendo, aliás, Portugal sido aceite como membro da ONU, em 1955, e votado favoravelmente (cinco anos mais tarde) a Resolução n.º 1514 de 1960 sobre o direito à independência dos povos.
Inegavelmente, o processo iniciado pelo golpe militar realizado naquele dia 25 de Abril, de 1974, teve o condão de abrir o caminho para a democratização do país, quer em relação ao tipo de regime político que a partir dali se iria construir, desenvolver e consolidar, quer relativamente à organização da sociedade portuguesa que, genuinamente, aderiu à ideia de democracia em liberdade, anunciada pela ruptura com aquele regime bafiento, ridiculamente apostado em combater a imparável evolução dos tempos, atrasando brutalmente o país e condenando a população à virtuosa pobreza de uma ignorância infinita.
Manifestamente, os portugueses estavam saturados de viver sob moldes condicionados por uma rigidez persecutória absolutamente inaceitável. Impedidos de expressar o que quisessem, de fazer o que bem entendessem, sem possibilidade de se organizar social e politicamente, nem tampouco de escolher os seus representantes políticos e participar na decisão sobre quem deve governar o país.
Que ninguém se iluda, especialmente aqueles que nasceram em democracia, Portugal, em 1974, era mesmo um país de um só único pensamento autorizado. Um país em que o Estado se metia em tudo e tudo controlava. Um país onde a criatividade artística era supervisionada. Obras literárias erguidas pelos seus autores apenas sobre temas previamente autorizados e com os respectivos textos expressamente aprovados depois de vistos, revistos e editados pelo famoso lápis de cor azul.
Sem quaisquer tibiezas ou hesitações, sou e serei sempre um defensor incondicional da liberdade e dos valores da democracia pluralista liberal cuja conquista se iniciou há 50 anos, precisamente, com aquele derradeiro ponto final da II República, colocado pelos revoltosos militares em 25 de Abril de 1974. Por isso comemoro o 25 de Abril como o dia da liberdade. O dia em que pusemos fim a um velhaco regime que teimava em querer perdurar no tempo de um tempo que não era mais o seu tempo.
Do mesmo modo com que, de resto, comemoro cada aniversário do 25 de Novembro de 1975 como o dia da Democracia. O dia em que impedimos que a liberdade conquistada um ano e meio antes fosse, de novo, proibida — desta feita pelo totalitarismo revolucionário do Partido Comunista Português e da paranóia dos seus mais dementes satélites, apostados em liquidar todos os democratas e em prolongar “sine die” o sofrimento dos portugueses — através da tirania de uma ditadura proletária castradora das mais basilares liberdades individuais em prol de um falacioso favorecimento colectivo.
É também por isto que nunca compreendi por que razão o PSD permitiu-se deixar de comemorar na rua o 25 de Abril, descendo a Avenida da Liberdade, de pleno direito, como partido fundador do actual regime democrático. Sinceramente não se compreende como foi possível entregar esta data, de bandeja, à esquerda socialista em geral e à extrema-esquerda radical comunista em particular.
Foi preciso esperar mais de 40 anos para termos um partido liberal a desfilar — sem preconceitos — na Avenida da Liberdade, o que faz com gosto todos os anos, desde 2018. Lembrando aos comunistas do PCP e derivados que apenas comemoram o 25 de Abril de 1974 porque, enfim, não podem comemorar o 25 de Novembro de 1975, como gostariam de fazer, porque, felizmente, foram derrotados!
Com efeito, por mais erros que tenham sido cometidos ao longo deste meio século de democracia que vivemos em Portugal — e, de facto, foram vários, demasiados, bem mais do que seria de esperar e do que deveríamos tolerar, uns menos graves que outros de extrema gravidade, alguns deles, até, sem perdão — não trocaria nenhum desses piores momentos desta nossa imperfeita democracia que é a III República Portuguesa, por nenhum dos melhores momentos daquela perfeita ditadura que foi o Estado Novo.
Na política, como na vida, existem pessoas que valorizam de forma diversa e por vezes antagónica determinadas matérias, direitos e deveres, fazendo necessariamente oscilar, por comparação, as tabelas de valores. Para uns a liberdade é um direito relativo, alienável, renunciável, negociável e substituível. Por exemplo, em comparação ou em confronto com outros direitos, tais como de segurança, de saúde pública ou de bem-estar económico e social, haverá quem não se importe de perder ou ver diminuída a amplitude do exercício de algumas liberdades, tais como de expressão, de escolha, de movimentos ou de circulação (interna e externa). Ou seja, para quem a perda de uns direitos é compensada pelo ganho de outros. E de entre estes haverá, ainda, quem não só esteja predisposto à referida teoria da compensação, como exija, coercivamente, uma redução efectiva desses direitos de liberdade, como factor garantístico da produção de efeitos de outros direitos.
Já para outras pessoas — nas quais me incluo — a liberdade constitui um direito absoluto, inalienável, irrenunciável, inegociável e insubstituível. Ou seja, um direito do qual não se abdica, integral ou parcialmente e nem se aceita a sua diminuição ou limitação de exercício. Pelo que, não há lugar a qualquer compensação pela sua hipotética restrição, nomeadamente através do alargamento de outros direitos com os quais se confronta a liberdade.
Nada, absolutamente nada, valerá mais que a liberdade. Nada, absolutamente nada, poderá compensar a falta dessa mesma liberdade.
50 anos é, pois, o tempo que dura a liberdade.
Publicado no Jornal O DIABO