Como disse o famoso Dr. House, esse grande guru hollywoodesco da medicina, uma vez feito o diagnóstico, o tratamento é uma seca. Para aprenderem a diagnosticar doenças, aos Srs. doutores é-lhes pedido cursarem 6 anos escolásticos para o ser, seguido de mais 1 ano de internato geral nos hospitais do SNS, já auferindo um ordenado e começando a aprender de verdade fazendo e mirando com os mais velhos e experientes, e depois de cursado e estudado até a exaustão um livro bíblia que dá pelo nome de Harrison, lá são submetidos a mais um exame excruciante para poderem escolher uma especialidade cirúrgica ou médica e que lhes dá pano para mangas em mais ou menos 5 a 6 anos de trabalho em constância no SNS aprendendo fazendo e estudando mais uma vez com os mais velhos e experientes como é de tradição.
Estão neste momento os esquerdistas do regime preocupados, assistindo à debandada dos recém especialistas para o privado e mais preocupantemente para os SNS dos países do Norte da Europa e não só, em impor aos desgraçados dos médicos um pagamento pela sua formação no SNS para os quais tanto labutaram e tanto sacrificaram, auferindo salários de sobrevivência pelo privilégio, creio querer, de poderem aprender com quem sabe e lhes pode ensinar.
Pois é aqui que todos os políticos deste país deveriam de estar preocupados, pois não apenas os recém especialistas estão a abandonar o SNS, também os seus instrutores mais velhos, sapientes e conhecedores estão a migrar para o setor privado, aos montes, como vimos pela debandada de ginecologistas e obstetras por esse país fora nos recentes episódios de abre e fecha ocorridos o ano passado. E os próprios hospitais privados também já se estão a organizar para poderem instruir e ensinar os mais novos fazendo por obter as acreditações para tal, deixando no futuro de estarem também eles dependentes do SNS
O mercado tem muita força, e para isso contribuem muitos fatores, entre os quais a remuneração dos profissionais de saúde, mas também e sobretudo as perspetivas de carreira e a possibilidade de poderem planear as suas vidas, condignamente, com sensação de propósito e possibilidade de poder providenciar para si e pela sua família. E tudo isto neste momento se esboroa perante os nossos olhos quando se diz que é preciso salvar o SNS sem querer olhar para ele como um todo.
Quando o SNS nasceu o país não tinha uma estrutura de saúde capaz de Norte a Sul e basicamente tinha-se oferta nas grandes cidades e nos centros hospitalares de Lisboa, Porto e Coimbra onde gerações ilustres de médicos ensinaram e aprenderam a fazer do SNS um bastião do nosso desenvolvimento e do sucesso do 25 de Abril. Nessa altura o setor privado e social era rudimentar e pouco desenvolvido. Hoje nada disso acontece, e termos os zurdos do regime a quererem impor um SNS à luz da sua génese original é estupido e suicidário.
A continuar nessa teimosia, tudo o que se construiu no SNS, com centros de excelência em tantos centros de saúde espalhados pelo país, em tantas áreas de ponta no Instituto Português de Oncologia, nos centros hospitalares e universitários, nas ilhas e em muitos centros hospitalares do interior, pode estar em causa pela quantidade de médicos de excelência que se encontram à beira da reforma e de tantos outros especialistas e sapientes à beira de um ataque de nervos e que também debandam com os novos especialistas que deixam de estar disponíveis para se esgotarem num sistema que não se quer reformar.
Não será óbvio que a reforma do SNS passará por ter de usar toda a oferta que o sistema de saúde atual tem para oferecer no público, no privado e no social? Ninguém deve estar sujeito, para ser visto por um médico, a ter de passar a noite ao relento de um qualquer centro de saúde na esperança de obter uma senha para ter acesso à saúde. Se há oferta espalhada por esse país fora, que se use essa oferta, estabeleçam-se parcerias locais e alargue-se a oferta a quem a pode prestar, sem pruridos ideológicos.
O futuro passará certamente pela integração dos sistemas de saúde público, privado e social como um todo, sem emaranhados ideológicos, embora a complexidade do tema dita alguma prudência, e não deve ser alvo de decisões precipitadas, pois não se trata de uma questão de esquerda e direita, de conservadores e liberais. Devem os protagonistas começar pela admissão de que o SNS é um bem essencial à vida dos portugueses e da nossa democracia e que urge em trabalhar para a sua melhoria e expansão, que possa ser reformado e continue ao serviço de toda a população como sempre esteve: pobres e ricos, novos e velhos, portugueses e residentes, sem deixar ninguém de fora. E que os profissionais de saúde que o servem possam ter remunerações condignas, carreiras preenchidas e plenas, fazendo regressar ao SNS, se é que alguma vez se ausentou, o sentido de missão e pertença que lhes ilumina o espírito em prol e sempre pela saúde dos portugueses, como um lampejo misterioso da alma nacional, — reflexo de astro em silencio escuro de lagoa morta.