Escrevi aqui, na passada semana, que o próximo Governo Constitucional deveria ser da Aliança Democrática, liderado pelo novo Primeiro-Ministro Luís Montenegro. E que o Governo em causa seria suportado na Assembleia da República com uma maioria relativa dos seus respectivos deputados eleitos aos quais se somariam os deputados da Iniciativa Liberal que, no essencial, deveria apoiar o Governo, tanto mais quanto conseguir fazer passar as suas propostas e políticas marcadamente liberais.
Esse texto intitulado “Tempo de provação democrática” foi escrito antes da entrevista de Rui Rocha ao canal de notícias CNN Portugal, em que reiterou a ideia de não fechar quaisquer portas a um entendimento de Governo entre a AD e a IL (AD-IL), mesmo sabendo que essa coligação pós-eleitoral não disporá de maioria absoluta no Parlamento e, porquanto, não tendo a força política necessária para fazer passar as medidas que evidentemente os liberais pretendem ver aprovadas e aplicadas no país. E, exclusivamente, por essa razão, fácil é entender que o mais natural seria um apoio na Assembleia da República, medida a medida, com a responsabilidade característica da Iniciativa Liberal, sem esquecer o que foi dito e prometido aos eleitores durante toda a campanha para as legislativas de 10 de Março.
Tal postura parece-me ser razoável, adequada e consciente do peso que cada partido / coligação tem e da dimensão que uma nova coligação pós-eleitoral entre a AD-IL terão caso se avance para esta solução governativa conjunta.
Dito isto, creio ser agora tempo de olharmos para o país e de percebermos o que podemos fazer para contribuir na mudança que precisamos realizar para debelar os problemas endémicos, há muito diagnosticados, cuja terapia sabemos bem residir no liberalismo como modelo económico e social de transformação de Portugal num país mais próspero e evoluído. Ou seja, onde serão os liberais mais úteis a essa mesma mudança? No Governo minoritário? Ou apenas na Assembleia da República?
Confesso que após ponderação de todas as variantes em jogo e que — sejamos sérios — não podem nunca deixar de ser calculistas, principalmente para um partido novo como é a Iniciativa Liberal, que se quer de futuro, com crescimento consolidado e por isso mais lento, com uma mensagem ideológica muito vincada da qual não poderá abdicar sob pena de se transformar numa outra coisa que não o partido liberal que efectivamente é, diria que se for intenção do Primeiro-Ministro da AD convidar a IL para fazer parte do seu Governo, tal deve ser encarado como um desafio único perante o qual, simplesmente, não poderemos recusar, excepto se não forem dadas as garantias de adopção e aplicação das políticas liberais mais urgentes das quais não podemos igualmente prescindir.
Se é verdade que não dispor de uma maioria absoluta torna mais difícil a implementação objectiva de políticas e medidas concretas, também não é menos verdadeiro que ficar de fora dessa dificuldade, não integrando o Governo, poderá significar ver esvaziadas algumas medidas que venham a ser tomadas e que poderiam ser suas.
A esse respeito, li há dias no jornal “Público” uma espécie de paralelismo feito entre o que ocorreu em 1985 com o PSD minoritário de Cavaco Silva e o então PRD de Ramalho Eanes, liderado por Hermínio Martinho, e a situação actual da AD minoritária de Luís Montenegro e Nuno Melo e do Chega de André Ventura. Percebendo perfeitamente a analogia, creio, contudo, ser algo forçado, na medida em que nada tem o Chega a ver com o PRD, que era um partido de centro-esquerda e moderado, com o qual poderia ter havido um acordo de Governo como, de resto, o próprio ex. Primeiro-Ministro Cavaco Silva admitiu na sua autobiografia política: “uma coligação com o PRD era coisa que não me entusiasmava, mas se este partido se tivesse colocado na posição de só viabilizar o Governo desde que nele participasse, o PSD teria grande dificuldade em evitá-lo”.
Ora tal cenário não se coloca hoje — mesmo perante a chantagem política de André Ventura que à força toda mostra ao país pretender fazer parte de um Governo sem ter sido para tal convidado por quem o irá liderar, ameaçando votar contra tudo o que esse Executivo e a maioria relativa que o irá suportar apresentar no Parlamento, mais quando, há menos de um mês, em pleno debate televisivo com Luís Montenegro apelidou a sua coligação de “prostituta política”, bem como ter pedido aos militantes do seu partido, em 2019, “para o internarem caso alguma vez implorasse publicamente por alianças não correspondidas à direita” — porque, simplesmente, o Partido Socialista já admitiu viabilizar o novo Governo, contrariamente ao que fez nos idos anos 80 do século passado.
Por outro lado, ainda recorrendo ao mesmo momento épico da nossa história política contemporânea, o Governo de então contou no Parlamento “ab initio” não apenas com o apoio do mencionado PRD que dispunha de 45 deputados, como ainda do CDS que contava com 22 deputados eleitos num total de 250 mandatos. Em 1986 o Governo em causa apresentou uma moção de confiança na Assembleia da República — facto importantíssimo de que poucos politólogos falam — que foi aprovada com os votos favoráveis do PSD e CDS e com a abstenção do PRD, que não aguentou o galopante esvaziamento da sua existência perante um Governo popular que todos os dias conquistava a simpatia de um número cada vez maior de portugueses e, por isso, um ano mais tarde, em 1987, caiu na tentação de apresentar a célebre moção de censura, aprovada com os votos favoráveis do próprio PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e os votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Rui Oliveira e Costa e, ainda, a abstenção do deputado não inscrito Gonçalo Ribeiro Telles.
Nas duas eleições legislativas seguintes — como sabemos — o PSD de Cavaco Silva fez história e marcou um recorde até hoje imbatível com duas maiorias absolutas de mais de 50% dos votos dos portugueses e que transformaram o CDS no partido do táxi e condenaram o PRD à extinção. Segundo o testemunho do Presidente Cavaco Silva no seu citado livro, o PRD não compreendeu o erro monumental que cometeu por nunca ter percebido que “(...) só através do exercício de poder conseguiria consolidar-se como partido político”.
Esta analogia é, pois, importante para compreender o desafio que temos pela frente, em prol do país e dos cidadãos, mas também do que pode acontecer a quem fica de fora do exercício do poder.
A existir uma inequívoca vontade de Luís Montenegro em formar um Governo AD-IL, convidando formalmente Rui Rocha para esse entendimento, deve a Iniciativa Liberal lembrar-se destes factos da década de 80 e ser firme na sua posição de princípio em tornar Portugal mais Liberal.
Ao Governo caberá a tarefa de resolver em curto espaço de tempo os problemas mais urgentes que o país enfrenta, desde logo na saúde, na economia, nos impostos e nas carreiras da administração (professores, polícias, bombeiros), sendo inteligente em cada uma das decisões políticas tomadas e medidas concretas a implementar, tendo como único objectivo melhorar significativamente as vidas das pessoas, obtendo delas esse reconhecimento. O resto é história…
Manuel J. Guerreiro
20 de março de 2024