PuÉ atribuída a António de Oliveira Salazar a famosa frase: “Estado rico – Povo pobre; Estado pobre – Povo rico”.
Lembrei-me desta frase a propósito do regozijo a que assisti no final do ano 2023 pelo ministro das Finanças português ao anunciar um excedente orçamental para 2023, o qual foi, de resto, considerado provável pelo Conselho das Finanças Públicas, que referiu na mesma altura que “considerando a evolução provável das variáveis orçamentais, na hipótese de políticas invariantes, a atualização do cenário orçamental de médio prazo aponta para que se atinja já em 2023 um excedente orçamental de 0,9% do PIB”.
Ora, tendo o INE publicado já o valor do excedente orçamental no 3º trimestre de 2023 – 0,5% do PIB – e tratando-se do 3º trimestre consecutivo sem défice nas contas públicas (0,1% do PIB no 1º trimestre e 0,0% no 2º), embora ainda falte confirmar os números do 4º trimestre (a publicar em breve pelo INE), é já praticamente certo que teremos excedente orçamental nas contas públicas em 2023, pelo que é altura de voltar ao tal regozijo manifestado pelo ministro das Finanças português com este “feito” da sua política orçamental.
Confesso que não percebo o motivo do regozijo. Só deveria sobrar dinheiro ao Estado português se após realizado o investimento público necessário e paga a dívida existente não houvesse mais onde aplicar o dinheiro em benefício dos portugueses. É assim na Alemanha, na Holanda, na Nova Zelândia, etc. (os nossos antípodas até criaram um dos maiores fundos soberanos do mundo para aí capitalizarem os seus excedentes).
Mas em Portugal qual é a razão para apontar bondade a esta política e para o regozijo mostrado pelo Ministério das Finanças? Há gente a dormir à porta das lojas do cidadão para tirar senhas para conseguir ser atendido numa repartição pública, há pessoas a irem às 5 da manhã para a porta de centros de saúde para conseguirem marcar uma consulta, há urgências de hospitais fechadas por falta de médicos, há falta de professores nas escolas porque a carreira deixou de ser atractiva, há comboios que não circulam por falta de manutenção e o nosso “TGV” demora mais tempo a fazer o percurso Lisboa-Porto do que um autocarro da Flixbus… E isto apenas para enumerar aleatoriamente algumas das gravíssimas falhas dos serviços públicos em Portugal que todos os dias diminuem a qualidade de vida aos portugueses …
Não senhor ministro Fernando Medina, não há qualquer motivo de regozijo no excedente orçamental previsto para 2023. Pelo contrário, é incompreensível como é que num país com a maior carga fiscal de sempre (36,4% do PIB em 2022 – dados do INE), uma dívida pública enorme e serviços públicos miseráveis o Estado apresenta um excedente orçamental. Trata-se de uma inversão de prioridades imoral, injusta e incompreensível para os portugueses que todos os dias trabalham arduamente para pagar a maior carga fiscal de sempre. Se ao senhor ministro das finanças lhe falham ideias ou competência para gastar melhor os recursos do erário público teria sempre a boa (e fácil) opção de antecipar pagamentos de dívida pública para que a nossa dívida nominal comece efectivamente a baixar de forma sustentada. Sim, porque também aqui as inverdades da propaganda governamental do governo ainda em funções são chocantes: – o rácio da divida em relação ao PIB (o que conta para Bruxelas) só tem baixado essencialmente por efeito do denominador (em grande parte devido à inflação, dado que o crescimento económico é anémico), já que a dívida nominal não parou de aumentar até ao valor record de cerca de 259 mil milhões de euros em Fevereiro de 2023 (ninguém esquece os 3,2 mil milhões enterrados na TAP, uma enormidade de milhões no Novo Banco, outra enormidade na EFACEC, e por aí fora …). É certo que a partir de Fevereiro de 2023 temos vindo a assistir, finalmente, a uma ligeira redução da dívida nominal (menos 8 mil milhões, sensivelmente, em termos acumulados), o que se saúda, mas, mesmo assim, a dívida nominal ainda está ao nível verificado no final de 2021 (cerca de 251 mil milhões de euros).
Parece, pois, que alguma coisa de muito errado se passa com as prioridades de política orçamental em Portugal. Não se compreende que num país com a maior carga fiscal de sempre (lembre-se: 36,4% do PIB) os serviços públicos estejam tão degradados e um quinto da população esteja em risco de pobreza ou exclusão social – segundo uma publicação do INE de 27 de Novembro de 2023, há actualmente em Portugal 2,1 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social (“pessoas em risco de pobreza ou a viver em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa”). Explica ainda o INE que isto significa que há mais de 2 milhões de pessoas em Portugal a ganhar menos de 591 euros líquidos por mês.
Exige-se, por isso, mais do próximo governo também em matéria de política orçamental em Portugal. É preciso distribuir melhor os rendimentos confiscados aos portugueses. Com a maior despesa pública de sempre (supera já os 100 mil milhões de euros) é claro que só é possível ter excedentes orçamentais se também a carga fiscal for a maior de sempre. Mas será que é este o país que os portugueses querem ter? Um país onde o Estado gasta e cobra a um ritmo record, engordando cada vez mais enquanto os portugueses emagrecem e os serviços públicos se degradam?
É altura de os portugueses pensarem se é este o modelo económico que lhes interessa. Um modelo estatizante e de crescimento anémico há mais de 20 anos, que gera cada vez mais pobres e empurra as novas gerações para fora à procura de uma vida melhor. Há alternativas. Há projectos políticos para o país em escrutínio popular no próximo dia 10 de Março que propõem um modelo económico alternativo para o país, com menos e melhor Estado, menos impostos sobre os cidadãos e as empresas e mais crescimento económico gerador da riqueza que é necessário criar no país para diminuir o número de pobres e subsidiodependentes. A mudança não é apenas necessária. É indispensável se no futuro não quisermos ver os nossos filhos e netos apenas no Natal por uns breves dias.
Compreenderá nesta altura o gentil leitor que se deu ao trabalho de me ler até este momento que termine como comecei, regressando à famosa frase “Estado rico – Povo pobre; Estado pobre – Povo rico” que é atribuída ao nosso último ditador de má memória – António de Oliveira Salazar – e que assenta que nem uma luva ao Portugal actual e é o legado das últimas décadas de governação. Cabe a quem ainda não desistiu do país e não aceita o estado deste Estado votar no dia 10 de Março para mudar Portugal.
VOTAI PORTUGUESES.
Publicado no Observador