E ainda agora mal começou a nova legislatura resultante das últimas eleições legislativas e já estamos em pré-campanha para as eleições europeias, onde teremos a oportunidade de eleger os 21 deputados portugueses ao Parlamento Europeu que se irão realizar no próximo dia 9 de Junho.
Com efeito, os debates começaram esta semana num formato diferente daquele que tivemos nas legislativas, substituindo o tradicional frente-a-frente por uma mesa de “sueca”, a quatro candidatos. Este foi — diga-se em abono da verdade — o modelo que resultou da sugestão desbloqueadora da Iniciativa Liberal e que pôs fim à novela mexicana envolta do tema, tendo as duas candidaturas dos dois maiores partidos / coligações (PS e AD) como objectivo afastar dos debates o Chega e a Iniciativa Liberal, respectivamente o terceiro e o quarto maiores partidos portugueses, com o “argumentum” extraordinário da não representação destes no Parlamento Europeu.
De resto, o que aconteceu relativamente a esse assunto foi totalmente inaceitável, pois tratou-se de uma verdadeira tentativa de boicotar o debate democrático, proposto pelas televisões, e impedir que os portugueses pudessem ter o devido esclarecimento daquilo que está em causa nestas eleições. Designadamente em relação às propostas alternativas de cada candidatura por forma a escolherem em consciência em quem irão votar, mais quando neste sufrágio não existe espaço para a chantagem insuportável do maldito “voto útil”, uma vez que apenas contamos com um único círculo nacional, que era o que deveria também acontecer nas legislativas, já que os deputados da Assembleia da República uma vez eleitos são deputados da nação e não da região nem do distrito pelos quais são eleitos.
Seja como for, parece-me que este modelo, a quatro, é mais interessante do ponto de vista da riqueza do debate propriamente dito.
Neste primeiro debate estiveram à mesa as quatro candidaturas verdadeiramente europeístas: Aliança Democrática, Partido Socialista, Iniciativa Liberal e Livre. Desse ponto de vista foi um bom debate de ideias sobre a Europa e, consequentemente, sobre Portugal, e que, de um modo geral, decorreu de forma bastante civilizada, como, aliás, deve ser. Porém, sem ter deixado de se notar as evidentes divergências entre as quatro visões distintas que cada um dos candidatos representantes das suas respectivas famílias políticas europeias representam e que, honestamente, não se esperaria outras que não aquelas tomadas de posição por cada um deles assumida.
Dito isto, confesso que depois de ouvir — com estupefacção — algumas das avaliações feitas pela turma do comentariado nacional, nomeadamente na SIC Notícias, fui rever o debate por mais duas vezes e concluí o seguinte:
1. Ao contrário daquilo que se diz, os comentadores não são opacos. São, muito pelo contrário, transparentes, uma vez que as suas análises não escondem minimamente as suas respectivas afinidades — familiares, ideológicas, políticas, partidárias (nos casos mais graves paixões de tipo clubístico), tácticas de ordem profissional e dos mais variados lobbies empresariais (onde se incluem os acéfalos crónicos e os lambe o que quer que seja necessário) —, ali bem presentes em cada palavra proferida e nota atribuída, sobrepondo-se a quaisquer outras características e qualidades intelectuais individuais que, nalguns casos, sabemos existirem mas noutros não temos a mais ínfima ideia quais sejam, se é que existem.
2. Quanto ao Livre, creio que o debate foi útil para dar a conhecer a personalidade do respectivo cabeça de lista Francisco Paupério. Sendo, pois, verdadeiro que o rapaz até surpreendeu, tal facto ajuda imenso agora a compreender melhor as razões pelas quais Rui Tavares não o queria para “co-liderar” esta tarefa europeia… Mas daí a considerar Paupério como o melhor jogador em campo, sinceramente só por maldade para com o próprio Rui Tavares e para massajar o enorme ego jornalístico da corrente “gauche” sempre presente, em completa desproporção, em tudo o que é órgão de comunicação social neste país.
3. Relativamente ao Partido Socialista julgo que, neste momento, a cabeça de lista Marta Temido apenas fará temer o próprio PS para um absoluto desastre eleitoral em 9 de Junho. Pois, coitada, não tem perfil para aguentar com a factura do lastro de destruição deixado pela desgovernação do seu partido durante os últimos quase 9 anos. Foi visível a incapacidade de discutir o tema da imigração e, porquanto, de defender com lógica a trapalhada da extinção do SEF e a atabalhoada criação da AIMA. Mesmo perante as posições — que considero muito light — de João Cotrim Figueiredo (IL) e de Sebastião Bugalho (AD) que não lhe atiraram com as reais razões que estiveram na origem dessa operação cosmética, i.e., a morte do cidadão ucraniano (ainda hoje mal explicada), em pleno aeroporto de Lisboa e, posteriormente, o atropelamento mortal de um trabalhador, em plena auto-estrada, pela viatura do então Ministro Eduardo Cabrita, fazendo acelerar o processo para desviar atenções.
4. Sobre a Aliança Democrática e o surpreendente candidato escolhido para cabeça de lista Sebastião Bugalho, cujas qualidades intelectuais são notáveis e, de todo, inegáveis, sinceramente parece-me estar ainda à procura de encontrar o ponto certo para esta nova função e etapa da sua vida que, obviamente, sempre desejou. Era por demais evidente que a sua carreira de jornalista, primeiro na imprensa escrita e mais recentemente enquanto comentador político televisivo, tinha os dias mais do que contados antes mesmo de ter começado. O Sebastião é um político. E se souber gerir bem a sua promissora carreira será, com certeza e a seu tempo, um líder partidário. Naturalmente que para esse desígnio o PSD é uma aposta bem melhor e mais inteligente do que o CDS — onde reside a essência doutrinária conservadora que tão bem o caracteriza e cujo pensamento político advoga —, pelo que, também por essa razão, este é um excelente momento, em que o seu partido afetivo é para o PSD uma espécie daquilo que foi o PEV para o PCP, para dar este salto em direcção ao futuro.
4. Sobre a Iniciativa Liberal cuja candidatura é encabeçada pelo ex-presidente João Cotrim Figueiredo, julgo que esteve à altura daquilo que era esperado. Aliás, o João mostrou ser o único adulto naquela sala, lembrando todos os demais candidatos adversários que para garantirem aquilo que andam a apregoar como políticas europeias: mais defesa, mais habitação, mais ambiente, precisam de mais crescimento económico para o conseguir sem ser através de mais impostos, como querem os verdes, como gostam os socialistas e não incomoda aos social-democratas e populares.
Poderia ter sido mais contundente no confronto directo com o candidato da AD? Poderia! Mas foi cristalino para toda a gente que o viu e ouviu. Por exemplo quanto à óbvia candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu, apadrinhada pelo PS e com a bênção do Governo AD, mas contará com a oposição cabal da Iniciativa Liberal...