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Analise da evolução da desproporcionalidade eleitoral em Portugal

Opinião de António Pedro Mata no Observador
Um dos princípios do sistema eleitoral existente é que os votos dos eleitores tenham todos o mesmo valor e que a representação final dos eleitos corresponda, tanto quanto possível, à distribuição relativa dos partidos pelo território. Como sabemos a distribuição dos lugares na Assembleia difere do peso relativo que os partidos têm no país, é também sabido que os partidos mais pequenos ou não conseguem qualquer representação ou têm muita dificuldade na eleição dos deputados. A isto se chama proporcionalidade, ou desproporcionalidade, do sistema eleitoral que está muito relacionada com o método seguido para converter votos em assentos no parlamento Com vista à conversão dos votos dos eleitores em deputados o sistema eleitoral português socorre-se, desde a Constituição de 1976, do método de Hongt. Este método é caraterizado por favorecer os grandes partidos e prejudicar os pequenos. É um método que tem tendência a levar à bipolarização, é um método que leva à concentração em dois partidos. O índice de Gallagher, o ‘least squares index’ (LSq) destina-se a avaliar o nível de desproporcionalidade ocorrido num ato eleitoral. Avaliar o nível de desproporcionalidade significa avaliar a disparidade entre a percentagem de votos obtidos pelos partidos e a percentagem conseguida no parlamento. O favorecimento dos grandes partidos equivale a referir que o peso relativo destes na Assembleia da República é superior à percentagem dos votos obtidos aquando das eleições. Esta desproporcionalidade faz com que, no sistema português, se consigam maiorias absolutas com cerca de 42% de participação junto do eleitorado. Para medição da desproporcionalidade do sistema eleitoral, em cada um dos atos eleitorais, poderemos então utilizar o ‘Índice de Gallagher’ (LSq). Este índice é calculado através da raiz quadrada da divisão por dois do somatório do quadrado das diferenças existente entre as percentagens de votos (V) e de deputados (A). O resultado do cálculo deste índice, que irá relacionar a percentagem de votos obtida junto do eleitorado e na Assembleia da República (deputados) irá variar entre 0 e 100: quanto mais próximo de 0 estiver este índice maior a proporcionalidade do sistema, quanto mais se afastar maior a desproporcionalidade. Um sistema que, por hipótese, conseguisse uma representação parlamentar que coincidisse perfeitamente com a distribuição partidária o índice apurado seria de 0,00. Será interessante também avaliar qual será o ‘número efetivo’ de partidos existentes no parlamento e junto dos eleitores. Quando temos um sistema partidário altamente bipolarizado, onde somente dois partidos têm influência significativa nas resoluções do parlamento, o ‘número efetivo’ de partidos tenderá a aproximar-se de 2. Caso existe uma outra situação em que um terceiro partido possa ter influência, pela sua percentagem de participação, na obtenção de maiorias decisórias, o sistema tenderá a aproximar-se de 3 e assim sucessivamente. Os índice Laakso-Taagepera é uma medida usada para especificar o ‘número efetivo’ de partidos políticos num determinado sistema eleitoral em que os partidos apresentam diferenças substanciais entre a percentagem de votos e de lugares no Parlamento. O índice de Laakso e Taagepera corresponde então ao apuramento de um ‘número efetivo’ de partidos junto dos eleitores e no parlamento. Normalmente, em sistemas desproporcionais, o ‘número efetivo’ de partidos no parlamento é inferir ao ‘número efetivo’ de partidos junto do eleitoral. Se a percentagem de participação, por hipótese, coincidisse, os dois ‘números efetivos’, junto do eleitorado (Eff no Pv) e no parlamento (Eff no Pa), seriam naturalmente iguais, a força junto do eleitoral coincidiria, neste caso, com a força no parlamento. Pelo referido mais acima parece existir alguma relação entre a evolução do Índice Gallagher, que mede a desproporcionalidade de um sistema eleitoral de um país num determinado ato eleitoral, e a evolução dos índices Laakso-Taagepera (Eff no Pv: índice junto do eleitorado e Eff no Pa: índice no parlamento). A tabela abaixo representa a evolução daqueles índices (de Gallagher e os dois de Laakso-Taagepera) desde as eleições para a Assembleia em 1975, esta para a Assembleia Constituinte, até 2024. Para ajudar na análise coloca-se também o número de deputados a serem eleitos em cada ato eleitoral. A evolução dos Índices Gallagher (de desproporcionalidade) e os dois Laakso-Taagepera (que apuram o ‘número efetivo de deputados’) tem a seguinte evolução gráfica: Analisando a evolução do sistema partidário português desde as primeiras eleições em 1975, estas para a Assembleia Constituinte, é de referir que logo na primeira fase o leque partidário apresenta um alto nível de desproporcionalidade (5,66) face à média com uma concentração nos dois principais partidos de 69,1% (PS: 40,7% e PSD: 28,4%). Nas eleições seguintes, no ano seguinte e já para a Assembleia Legislativa, o número de deputados passou de 250 para 263 o que terá justificado que o sistema se apresentasse menos desproporcionado, o índice Gallangher (desproporcionalidade) é o segundo mais baixo (3,64). Os dois principais partidos baixam o seu peso relativo de 69,1% para 62,1% (PS: 36,6% e PSD: 25,5%), a bipolarização baixa. O índice de Laakso e Taagepera apresenta valores muito próximos, o número equivalente de partidos é de 3,99 de 3,43 junto do eleitorado e no parlamento respetivamente. Dois indicadores muito próximos. Em 1979 o número de deputados passa a ser de 250 (redução de 13 deputados) contribuindo para incremento na desproporcionalidade (de 3,64 para 3,91) que foi acompanhada pela constituição da AD com maior concentração de votos em resultado do método de Hongt. As duas principais forças partidárias (AD e PS) passaram a representar cerca de 74,7% (AD: 46,6% e PS: 28,1%), do eleitorado, tinha-se iniciado a bipolarização do sistema. Nos atos eleitorais de 1983 e 1985, que coincide com a ajuda da Troika a Portugal, temos períodos de Governos minoritários em que os dois principais partidos totalizam entre 65,0% (PS: 37,1% e PSD: 28,0%) e 51,9% (PS: 30,6% e PSD: 21,3%) e o terceiro partido, nos dois atos eleitorais, consegue um pouco mais de 18% dos votos. Esta maior dispersão dos votos fez com que o método de Hongt deixasse de favorecer tanto os maiores partidos e, com isso, o sistema revelou-se menos desproporcionado (Gallagher de 3,04 e 3,78 em 1983 e 1985 respetivamente). Nesta época o número equivalente de partidos foi de 4,78 junto do eleitorado e de 4,18 no parlamento. Estes dois valores são mesmo dos maiores registos nos períodos em análise neste trabalho. Foi o período de maior instabilidade, de maior dificuldade em fazer governo. Entre 1976 e 1985 os resultados eleitorais resultaram num o índice de Gallagher (desproporcionalidade) que se situou normalmente abaixo de 4, foi um período em que a democracia andou “mais proporcional” e onde ocorreram sempre governos de coligação (1977-1978: PS-CDS; 1979-1983: PSD-CDS-PPM; 1983-1985: PS-PSD) ou minoritários (1976-1977: PS; 1985-1987: PSD). Nas eleições de 1985 dá-se o aparecimento do PRD que com 18,4% do eleitorado (foi a terceira força) fez com que o PS tivesse registado a sua pior performance: 21,3%. Durante esta legislatura os dois principais partidos apresentavam, no parlamento, somente 51,9% dos votos, o nível mais baixo do período analisado. Os três principais partidos totalizavam cerca de 70,3% do eleitorado, os votos encontravam-se distribuídos por mais partidos, os índices Laakso e Taagepera eram de 4,78 e 4,18, os dois resultados mais elevados, o ‘número efetivo’ de partidos tinha aumentado. Em 1987 há a primeira maioria absoluta do PSD que fez com que o efeito do método de Hongt mais se tivesse feito sentir levando a que a desproporcionalidade tivesse passado de 3,78 para 6,31 com uma concentração de 74,1% nos dois principais partidos. Os índices de de Laakso e Taagepera passaram de 4,78 para 2,98 e de 4,18 para 2,36 para número médio equivalente de partidos junto do eleitorado e do parlamento respetivamente. O ato eleitoral de 2019 apresenta um número equivalente de partidos junto do eleitorado de 4,01, que corresponde ao terceiro maior, no período em análise, enquanto que no parlamento é de 2,87. Estes dois números, o afastamento entre os dois índices, refletem também o aumento da desproporcionalidade e a existência de mais partidos com representação parlamentar mas com pouca relevância. Nas eleições de 2022 temos o PS a conseguir 42,5% que correspondeu a uma maioria de deputados na Assembleia Geral. Esta maioria só foi possível pela utilização do método de Hongt e do aumento da diferença para o segundo classificado: passou de nove pontos percentuais em 2019 pata 14,1 em 2022. A desproporcionalidade do sistema aumentou tendo o índice Gallanger atingido o seu ponto mais alto (7,85) em que o dois maiores partidos atingiram 70,9% dos votos. Os índices de de Laakso e Taagepera passaram de 4,01 para 3,65 e de 2,87 para 2,57 para número médio equivalente de partidos junto do eleitorado e do parlamento respetivamente. Nas eleições de 2024 aparece o efeito de um terceiro partido, o Chega, que com 18,1% consegue aproximar-se dos dois primeiros partidos e conseguir o segundo melhor terceiro lugar no período em análise (em 1979, a APU: 18,8%). Os dois primeiros partidos somam somente 59,4% com resultados muito próximos (AD 30,1% e PS 29,3%). Entre o segundo classificado e o terceiro há uma diferença de 10,4 pontos percentuais enquanto em 1985, o ano do PRD, esta diferença era de somente 2,9 pontos percentuais. Face a 2022 o sistema tornou-se menos desproporcional (passou de 7,85 para 5,78) tendo os índices de Laakso e Taagepera passado de 3,65 para 4,66 (junto do eleitorado) e de 2,66 para 3,61 (no Parlamento). Os três primeiros partidos somaram 77,4% nas eleições de 2024 e 78,8% em 2022 enquanto que a diferença entre o 2º partido e o 3º partido passou de 21,0 pontos percentuais para 10,4 pontos percentuais em 2024. Com a reduzida diferença existente entre p 1º e o 2º em conjunto com a diferença entre o 2º e o 3º partido temos o aparecimento de uma terceira força que diferencia as eleições de 2024 das anteriores. O ato eleitoral de 2024, o último até hoje realizado, apresenta um ‘número equivalente’ de partidos junto do eleitorado de 4,60, o maior desde 1985, enquanto no parlamento é de 3,61. Estes dois números refletem também a desproporcionalidade do sistema e a existência de mais partidos com representação parlamentar, com o aparecimento de um terceiro com relevância. Podemos olhar para o sistema eleitoral segundo três prismas: 1.Governabilidade: o país, até 2024, não apresentou problemas para criar soluções de governo. O efeito da maior dispersão de votos e o aparecimento de uma terceira força com relevância vai ser testado nos próximos meses; 2.Proporcionalidade: como referido acima o sistema eleitoral português tem vindo a revelar-se, principalmente durante o corrente século, cada vez mais desproporcional. Usando o índice de Gallengher (LSq) este variou de 4,78 em 2002 para 5,78 em 2024 com 7,85 em 2022. No último ato eleitoral, em 2024, o ‘número efetivo’ de partidos junto do eleitoral e junto do parlamento aumentaram para 4,66 junto do eleitorado e 3,61 junto do Parlamento. Estes dois índices aproximaram-se face aos das duas eleições anteriores o que também indica menor desproporcionalidade. 3.Representação: em termos de representação parece não existirem problemas de representação pois temos um parlamento com representação plural.

Publicado no Observador
Analise da evolução da desproporcionalidade eleitoral em Portugal
António Pedro Mata 5 de abril de 2024
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