A passividade e a aceitação das falhas diárias como algo normal têm um custo que vai muito para além do desconforto – têm um impacto directo no futuro do país.
O Prémio Nobel da Economia 2024 foi merecidamente atribuído a três economistas que demonstraram que a natureza das instituições ajuda a explicar o progresso de umas nações e a estagnação ou declínio de outras. Daron Acemoğlu, Simon Johnson e James A. Robinson receberam o Nobel pelos seus estudos sobre “como as instituições se formam e afectam a prosperidade”. A sua concepção de instituições é ampla e abrange não apenas as óbvias instituições do Estado, mas também a mais diversa infraestrutura social, organizacional e de hábitos e costumes, que é única, embora com traços comuns, em cada sociedade. Acemoğlu e Robinson, em particular, publicaram em 2012 uma obra de referência (“Why Nations Fail”) em que apontam estes aspectos como tendo uma significativa influência no crescimento e progresso das nações. Ora, vivendo num país como Portugal, em que a qualidade das instituições, o primado da organização e a excelência da infraestrutura social não serão certamente os pontos fortes desta nação de Camões, torna-se inevitável interrogarmo-nos sobre como seria o nosso país se fossemos um dos exemplos de sucesso no livro de Acemoğlu e Robinson. Não somos. E este artigo é, por isso, uma reflexão sobre a anemia de crescimento que afecta o meu país desde o final do Século passado e também sobre o que poderá ser feito para sair deste ciclo vicioso de estagnação a que os portugueses parecem ter-se habituado ao ponto de já parecer normal o que não o é. O crescimento, o progresso e o desenvolvimento são possíveis em Portugal desde que acabe o ciclo de conformismo e comece um ciclo de ambição.
Portugal enfrenta, efectivamente, uma realidade económica preocupante, na medida em que a estagnação a que o país se tem resignado durante o Séc. XXI não pode nem deve ser aceite como normal (sobre o imperativo do crescimento já falei aqui no Observador). O problema com o baixo crescimento assemelha-se à ação de uma doença silenciosa que afecta o indivíduo durante muitos anos sem que, aparentemente, se manifeste, até que, finalmente, surge, poderosa e fulminante (a falência do país em 2011 é bem a expressão desta analogia). Na verdade, enquanto nações que partilharam connosco uma história de crescimento modesto até ao início do Séc. XXI mostram agora algum fulgor, o nosso país parece manter-se atolado num ciclo de estagnação. Ao olhar mais de perto, a infraestrutura social emerge como uma das peças fundamentais negligenciadas nesse complexo quebra-cabeças (Matias, 2024). E não falo apenas da educação, da saúde ou dos serviços públicos. Falo do conjunto invisível de normas, costumes, comportamentos e instituições que permeiam a vida quotidiana dos portugueses, gerando uma entropia ao crescimento que ainda ninguém se atreveu a tentar quantificar.
O Problema Estrutural Invisível
A infraestrutura social é um conceito que vai além do betão das escolas, hospitais, tribunais e demais edifícios públicos. Engloba o tecido moral e cívico que sustenta o funcionamento de uma sociedade, desde a forma como os serviços públicos interagem com o cidadão até à cordialidade nas relações diárias. Este é um elemento intrínseco que, em Portugal, tem contribuído negativamente para o crescimento. A falta de ambição, o conformismo com a mediocridade e a aceitação de que as coisas “são assim” geram um ambiente de baixa produtividade e inovação. Pior ainda, essas características têm-se normalizado ao ponto de já não serem hoje sequer vistas como factores limitadores do crescimento (Palma, 2023).
Esta passividade estende-se desde as pequenas interações burocráticas diárias até às mais amplas decisões institucionais. Por exemplo, a incapacidade de reformar a administração pública ou de melhorar os níveis de eficiência na educação ou na saúde reflete uma aceitação de práticas ineficientes que, quando agregadas, limitam seriamente o potencial de crescimento do país.
Exemplos Concretos: A Vida no Dia a Dia como Sintoma
Na vida quotidiana em Portugal, é fácil identificar múltiplos e evidentes exemplos de disfuncionalidade institucional e comportamental. Vejamos, a título de exemplo, alguns casos que ilustram como essa entropia se manifesta:
- Burocracia Desnecessária – Para iniciar uma empresa ou obter uma simples licença – e apesar dos méritos do Programa Simplex –, os cidadãos e empreendedores portugueses enfrentam camadas e camadas de procedimentos administrativos que não têm qualquer valor acrescentado (veja-se o caso da habitação, de que já falei aqui no Observador). Ora, isso reduz drasticamente a competitividade e inibe o empreendedorismo. Enquanto países como a Estónia ou a Irlanda apostam na digitalização e na simplificação, em Portugal é comum demorar semanas, quando não meses, para completar processos triviais (Rodrik, Subramanian, & Trebbi, 2004).
- Serviços Públicos Ineficientes – Em sectores como a saúde e a educação, por exemplo, a infraestrutura física não é o único problema. A ineficiência no atendimento, a falta de responsabilização dos gestores, e a falta de coordenação entre diferentes serviços criam um ambiente de frustração constante para os cidadãos (Braz, Cabral, & Cunha, 2024). Num país onde agendar uma consulta pode demorar meses e as escolas públicas ainda lutam com procedimentos antiquados e currículos desactualizados, o crescimento económico sofre de forma indirecta, mas significativa (Reis, 2023). Além disso, a falta de incentivos para a melhoria contínua resulta numa estagnação e mesmo deterioração progressiva de certos serviços públicos, que se tornam cada vez mais distantes das necessidades reais da população (v.g. atrasos na documentação de imigrantes – AIMA – ou com a emissão/renovação de cartões de cidadão e passaportes – IRN).
- Desorganização no Espaço Urbano – Redes de transportes mal concebidas e integradas umas com as outras, sobretudo – mas não apenas – fora dos grandes centros urbanos, e falta de acessibilidade não são apenas meros inconvenientes no dia a dia dos cidadãos – representam também uma efectiva barreira ao crescimento e ao desenvolvimento. Cidades congestionadas, sem uma planificação eficiente de transportes públicos, resultam em inequívocas perdas de tempo e, consequentemente, produtividade (Granovetter, 1985). Diversos estudos sugerem que a mobilidade urbana tem um impacto directo na capacidade produtiva dos cidadãos e, em Portugal, essa mobilidade é severamente limitada por infraestruturas socialmente ineficientes (Rodrigues & Silva, 2024).
Além disso, a falta de acessibilidade nos transportes das áreas suburbanas limita a mobilidade social e perpetua as desigualdades regionais (constituindo, de resto, um dos factores de pressão sobre os preços da habitação nos centros urbanos das grandes cidades). Esta ineficiência no uso do espaço público cria uma disparidade significativa entre o potencial económico de áreas urbanas e rurais, enfraquecendo o potencial de crescimento global do país.
A Entropia ao Crescimento: Um Factor Ignorado
O que une todos estes exemplos é a falta de uma visão estratégica para melhorar a infraestrutura social em termos qualitativos. A sociedade portuguesa tem, de certo modo, aceitado esses males como normais, adoptando uma atitude passiva. Essa aceitação assume-se como um factor entrópico ao crescimento – um ruído constante que drena recursos humanos e económicos ao país, tornando difícil a transformação. Enquanto isso, outros países estão a fazer progressos em termos de eficiência, educação e inovação (Acemoğlu & Robinson, 2012).
No entanto, este não é apenas um problema institucional; é, acima de tudo, um problema de mentalidade colectiva. Falta competitividade, falta ambição, e, acima de tudo, falta um sentido de urgência para corrigir tudo aquilo que sabemos estar errado. Se continuarmos a ignorar esta infraestrutura social deficiente, a entropia ao crescimento não apenas se manterá mas aumentará, como uma bola de neve que se alimenta da inércia social (Palma, 2023).
A Urgência de uma Transformação Cívica
Este desafio que Portugal enfrenta não se resolve, porém, apenas com políticas públicas. A verdadeira mudança exige uma transformação profunda na atitude e nos comportamentos dos portugueses. É necessário um novo contrato social onde a eficiência, a responsabilidade e a ambição sejam centrais. Em vez de esperar que os governos, o Estado ou as instituições resolvam os problemas – como é tão característico nos portugueses, é fundamental promover uma cultura de iniciativa comunitária individual e colectiva.
Países como a Suíça e a Suécia destacam-se como exemplos onde a cordialidade, o civismo e a organização social criam vantagens competitivas tangíveis. Nessas nações, a civilidade entre os cidadãos não é apenas uma qualidade desejável, mas uma componente central do crescimento económico e da produtividade. Existem diversos estudos que demonstram que altos níveis de confiança social e participação cívica contribuem para instituições mais eficientes e economias mais robustas (Zak & Knack, 2001). Também o Reino Unido tem uma longa tradição de cortesia nas interacções sociais e comerciais, o que tem sido apontado como um dos factores de sucesso na sua competitividade internacional (Halpern, 2005).
Esses exemplos ilustram que, ao investir em capital social, é possível transformar sociedades em motores de crescimento económico sustentável. Em Portugal, porém, a falta de confiança nas instituições e nos serviços públicos cria um ciclo vicioso de baixa participação e envolvimento cívico, enfraquecendo a capacidade de mobilização para mudanças profundas.
Propostas para o Futuro: Um Impacto Tangível
Ao melhorar a infraestrutura social – desde o comportamento individual até à reorganização das instituições –, Portugal poderia impulsionar o crescimento do PIB em até 0,5 a 1% ao ano nas próximas décadas (Rodrik et al., 2004). Esta estimativa, embora não especialmente calibrada para o nosso país, baseia-se em estudos internacionais que correlacionam a melhoria da eficiência institucional com o aumento da produtividade e da competitividade. Reduzir a entropia social implicaria, pois:
- Acelerar a execução de políticas públicas eficientes;
- Criar um ambiente mais propício ao investimento e ao empreendedorismo;
- Melhorar a produtividade dos cidadãos, diminuindo o tempo perdido em processos burocráticos e ineficiências (Rodrigues & Silva, 2024).
A Infraestrutura Social é o Novo Desafio Nacional
É imperativo que Portugal deixe de ignorar a limitação silenciosamente imposta pela sua infraestrutura social e comece a considerá-la como um dos pilares centrais para o futuro crescimento económico. A passividade e a aceitação das falhas diárias como algo normal têm um custo que vai muito para além do desconforto – têm um impacto directo no futuro do país. Precisamos de uma revolução cívica, onde cada cidadão e cada instituição assuma a responsabilidade pela melhoria do ambiente em que vivemos, inspirando-se em exemplos internacionais como a Suíça e o Reino Unido, onde o civismo e a organização social são reconhecidos motores de crescimento (Zak & Knack, 2001).
Se essas mudanças forem levadas a sério, o crescimento económico poderá voltar a figurar como uma realidade no nosso país, e não apenas como uma mera aspiração distante. O crescimento e o progresso também é possível em Portugal. Basta querermos.
Referências
Acemoğlu, D., & Robinson, J. A. (2012). Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty. Crown Business.
Braz, C., Cabral, S., & Cunha, L. (2024). Uma análise da eficiência hospitalar em Portugal. Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, X(3), 27-53.
Fukuyama, F. (1995). Trust: The Social Virtues and the Creation of Prosperity. Free Press.
Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: The problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91(3), 481-510.
Halpern, D. (2005). Social capital. Polity Press.
Matias, Á. (2024). A Infraestrutura Social como entropia ao crescimento em Portugal. Cadernos de Economia, 2024, 44-60. https://cadernoseconomia.pt/pdf/E2024-online.pdf
Palma, N. (2023). As Causas do Atraso Português – repensar o passado para reinventar o presente. D. Quixote.
Reis, J. (2023). O Desafio do Crescimento Económico em Portugal: Análise e Perspectivas. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Rodrik, D., Subramanian, A., & Trebbi, F. (2004). Institutions rule: The primacy of institutions over geography and integration in economic development. Journal of Economic Growth, 9(2), 131-165.
Rodrigues, M., & Silva, P. (2024). Economic Performance and Convergence in the European Union: The Case of Portugal. Journal of European Economic Studies, 32(1), 75-92.
Zak, P. J., & Knack, S. (2001). Trust and growth. The Economic Journal, 111(470), 295-321.
O autor deste texto escreve segundo a antiga ortografia.